Marco Neves: “O objectivo foi mostrar o percurso da escrita”

1-Qual e ideia que esteve na origem deste seu livro «Atlas Histórico da Escrita»?
R-Este atlas inscreve-se na colecção da Guerra e Paz que tem trazido ao público português obras interessantíssimas sobre vários temas, desde o fim do Império Romano ao Holocausto. Desta vez, o autor é português e o tema é uma homenagem à própria tecnologia que está na base da actividade de qualquer editora: a escrita. O objectivo foi mostrar o percurso da escrita, desde os primórdios até estes tempos em que estamos a viver aquilo a que chamei a terceira revolução da escrita: o seu uso contínuo pela grande maioria da população, um fenómeno muito recente. Se virmos bem, há 100 anos, Portugal era uma sociedade em que a escrita se limitava a uma pequena percentagem da população.

2-Ao longo dos últimos 5 mil anos, a escrita foi criada, desenvolvida e afirmou-se de forma muito consistente: consegue imaginar uma sociedade humana sem escrita?
R-Estes 5 mil anos são apenas o início da história. Há 100 anos, a grande maioria da população não sabia ler nem escrever. Hoje, estamos a viver os primeiros tempos em que a alfabetização está perto dos 100% em muitas sociedades e a caminhar para lá (a velocidades muito diferentes) nas restantes. A nossa espécie viveu quase toda a sua história sem escrita; esta é, aliás, uma tecnologia a que ainda nos estamos a adaptar: se aprendemos a falar sem dificuldade, precisamos de um esforço consciente para saber ler e escrever. Hoje, no entanto, é impossível viver sem escrita. Consigo imaginar facilmente uma sociedade sem escrita no passado, não consigo imaginá-la no futuro.

3-Como antevê o papel futuro da escrita num mundo e num ambiente cada vez mais digital?
R-O ambiente cada vez mais digital leva a um uso cada vez mais frequente da escrita no dia-a-dia, para lá daquela camada da população que sempre escreveu. Nunca tantos tiveram de escrever com tanta frequência como hoje. Basta pensar que, quando eu tinha 15 anos, não escrevia nada aos meus amigos; hoje, os jovens, para lá dos vídeos e das mensagens de voz, escrevem também mensagens aos amigos com muita frequência — e este é apenas um exemplo de como a escrita é um acto mais frequente hoje do que há poucas décadas. Esta adaptação a um mundo em que todos escrevemos continuamente é difícil, mas não há volta a dar: se éramos animais que falavam, agora somos também animais que escrevem.
__________
Marco Neves
Atlas Histórico da Escrita
Guerra e Paz. 20€

COMPRAR O LIVRO