Mar Becker: “Sou feliz quando tenho as palavras comigo”
Mar Becker é o nome literário de Marceli Andresa Becker. Nasceu em Passo Fundo, no estado de Rio Grande do Sul (Brasil).
O seu livro A Mulher Submersa (2020) recebeu o Prémio Minuano e foi finalista do Prémio Jabuti (categoria: Poesia). Em 2022, nova obra: Sal.
Em Portugal, acaba de ser editado Canção Derruída (2023), a obra que reúne os poemas de Sal e uma revisitação, com «ecos e variações», de A Mulher Submersa.
Maria Becker formou-se em Filosofia, com especialização em Metafísica e Epistemologia, pela Universidade Federal da Fronteira do Sul.
O seu maior sonho é “poder seguir com a escrita sempre”.
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O que é para si a felicidade absoluta?
Acho que felicidade absoluta tem a ver com paz; a mim alegra encontrar paz aqui e ali, quando estou entregue à simplicidade, às coisas mais simples.
Qual considera ser o seu maior feito?
Meu maior feito, em curso sempre, é poder me dedicar à escrita, estar com ela, respirá-la.
Qual a sua maior extravagância?
Ter tentado traduzir poesia alemã.
Que palavra ou frase mais utiliza?
Outro dia sonhei com a palavra “descalvação”, e acordei pensando num campo ceifado, devastado. Adoro essa palavra desde então, mas daqui uns dias sonharei com outra.
Qual o traço principal do seu carácter?
Tendo a ser muito crítica comigo mesma.
O seu pior defeito?
Para os que convivem comigo, talvez minha dificuldade com prazos. Para mim mesma, guardar rancor por longo tempo, doer disso, quando atravesso situações de mentira e injustiça.
Qual a sua maior mágoa?
Vivi algo muito difícil entre fim do ano passado e este. Acho que é a maior mágoa que tenho.
Qual o seu maior sonho?
Poder seguir com a escrita sempre.
Qual o dia mais feliz da sua vida?
Sou feliz quando tenho as palavras comigo, quando esboço no papel o claroescuro de alguma imagem exprimível na língua, quando encontro o verso esperado para encerrar um poema. A vida à volta das palavras – essa forma do fogo – me faz alegre.
Qual a sua máxima preferida?
Não acho que eu tenha uma máxima. Mas gosto da ideia de trabalhar no texto assim: devagar e sempre. Decantá-lo aos poucos, perscrutá-lo.
Onde (e como) gostaria de viver?
Vivo e trabalho dentro de casa, quase não saio. A casa é meu habitat, quero poder continuar assim.
Qual a sua cor preferida?
Gosto de branco.
Qual a sua flor preferida?
Violetas: são simples, domésticas, e minha mãe sempre as teve. Violetas me trazem algo da casa natal, a casinfância de Helder. Ainda: há algo de insidioso na doçura daquele aveludado das folhas, que me devolvem a mim mesma na imagem de uma mulher cega sentindo a casa notivagamente, com a ponta dos dedos.
O animal que mais simpatia lhe merece?
Amo todos os bichos, todos, tenho gatos e cachorros, mas amor e simpatia é por todos. Sonhei com elefante há umas semanas. Amo jumento, ovelha, capivara, cavalo, vaca… Bicho é meu coração.
Que compositores prefere?
Queria conhecer mais de música, ouvir mais e melhor, de mais cantos do mundo, conhecer mais timbres, mais canções, de mais línguas. Sinto-me em falta nesse sentido. Este ano tenho ouvido muito Brahms e Mahler. Também, aqui em outro registro, Gesualdo, Monteverdi, Josquin des Prez, Guillaume de Machaut. Do lado de cá do mar (e bem ao Sul): Atahualpa Yupanqui, Pablo del Cerro (Paule Pepin), Guilherme Collares, Piazzolla… Os nomes são vários.
Pintores de eleição?
Num recorte temporal: em 2022, no Museu Nacional da República, trabalhei de perto com os contemporâneos Pedro Gandra e Isabela Couto, gosto demais. Também este ano tenho estado com a obra de Jaider Esbell aqui dentro de mim, aquele deslumbre, me toca profundamente. Tomo aqui a liberdade de mencionar três outros artistas da imagem, três diretores de cinema, que me acompanharam ao longo da feitura de Canção Derruída: Tarkovsky, Bergman e Mizoguchi.
Quais são os seus escritores favoritos?
São tantos… Um romancista ao qual volto sempre, inevitavelmente, é Raduan Nassar.
Quais os poetas da sua eleição?
A lista é enorme, penso mais no que tenho lido estes dias, senão não teria como responder. Ando com o Zambeze, de Graciela González Paz, argentina, que aqui no Brasil saiu em tradução de Katherine Castrillo, pela Orisun Oro; o Oração Fria, de Antonio Gamoneda, em releitura; o Finita, de Maria Gabriela Llansol. Daqui do Brasil, Max Martins, obra toda.
O que mais aprecia nos seus amigos?
Que sejam acolhedores, delicados.
Quais são os seus heróis?
Não tenho heróis, é muito peso pra pôr em cima de quem quer que seja.
Quais são os seus heróis predilectos na ficção?
Gosto mais dos anti-heróis, adoro o narrador-personagem de Memórias do Subsolo, de Dostoiévski, por exemplo.
Qual a sua personagem histórica favorita?
Acho a um só tempo estranha, terrível e fascinante a líder religiosa Jacobina Mentz Maurer, de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, oriunda da primeira comunidade alemã do Brasil.
E qual é a sua personagem favorita na vida real?
A Mãe, essa fonte convoluta.
Que qualidade(s) mais aprecia num homem?
Sensibilidade, zelo, cuidado.
E numa mulher?
Também.
Que dom da natureza gostaria de possuir?
Quando criança, tive um medo que desconfio que tenha sido fobia, medo de vento. Era começar a ventar, e eu chorava. Tenho flashes de memória, ser uma criança tentando se encasular no colo da mãe. Vinha o ar e a sensação era de que me levaria, não sei. Passo Fundo, no Planalto Médio do Rio Grande, é terra de muito sopro, de sopros encruzilhados, que se topam em esquinas, acho que era isso. Também sinto que deve haver algo na ventania que me fascina, senão eu não ficava assim tão assombrada. É provável que nessa força da natureza esteja o dom que (não sei o que é, mas) gostaria de possuir.
Qual é para si a maior virtude?
Ouço dizerem que sou uma pessoa doce.
Como gostaria de morrer?
Dormindo, sem nem sentir ou pensar.
Se pudesse escolher como regressar, quem gostaria de ser?
Queria ser uma gruta.
Qual é o seu lema de vida?
Um dia o encontro.
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Mar Becker na “Novos Livros” | Entrevistas