A mão do homem e a Obra de Deus
Só a contenção do Vaticano e da própria Opus Dei – literalmente Obra de Deus – evitou que a publicação, com o sucesso conhecido, de O Código da Vinci redundasse em mais danos sobre a estrutura criada por Josemaria Escrivá de Balaguer, e, por tabela, sobre a própria Igreja católica. Queremos dizer que as respostas foram no sentido de dar pouca importância aos ataques, menosprezando-os.
A crueza com que naquele livro são denunciados alguns aspectos da vida interna da organização, ainda que posteriormente negados, como os métodos utilizados na senda dos seus desígnios, chamaram a atenção para uma estrutura que era relativamente desconhecida, mesmo entre os mais críticos do catolicismo e das religiosidades.
A dúvida terá ficado pendente em muitos espíritos, depois de colocadas, face a face, a ficção de Dan Brown e os desmentidos da Igreja. Até que ponto não teria sido demasiado apimentada a caracterização feita no Código, como aquela violência do padre arrastando-se com o seu cilício?
Uma sequela houve: o nome ficou no ar, nos ouvidos. A Opus Dei passou a ser menos desconhecida, pelo menos nas generalidades, que não tanto nos seus objectivos, questiona-se mais a necessidade de uma estrutura assim no seio da velha Igreja, durante muito tempo arrastando-se na invisibilidade, na obscuridade. Do seu poder no Vaticano, na sociedade civil. Do seu significado, para o homem comum, mas também da forma como acabou por ter reconhecimento e casa em Roma.
A verdade é que a gente da Opus é circunspecta. Mesmo nos nomes que acabam por cair na via pública, como foi o caso recente de um banqueiro português, que se terá desvinculado, o silêncio foi a nota dominante. Foi maior o impacte do envolvimento da instituição bancária – o fundador do banco e seu “padrinho” de carreira era da Opus – em que “militava” em investimentos menos ortodoxos do que a ligação aparentemente espúria.
O autor de Opus Dei Secreta, jornalista dado a investigações sobre associações mais ou menos reservadas (ou clandestinas), apresenta-se como peixe na água ao abordar este tema. Recorda ele as abordagens que fez à Opus Dei a partir da sua cidade, Verona, “que – em termos de presença da Obra – foi definida a ‘Pamplona de Itália’”.
Do seu ponto de vista, também em jeito de balanço, abordar a organização “não é empresa fácil”. E relata a sua experiência pessoal, quando pela mão de um sacerdote amigo assistiu a “um encontro da Obra mascarado de curso de filosofia. Uma das muitas maneiras soft usadas para aproximar novos adeptos”.
Uma reunião um tanto estranha, na verdade, atendendo ao relato. E as conclusões que apresenta não o são menos: “Para a Obra, impelir os seus membros e até os simpatizantes não é tarefa difícil. A Opus Dei tem os seus homens em todos os postos chave: bancos, universidades, indústria, grandes jornais. Os nomes só são conhecidos por quem faz parta de Obra e, por vezes, não por todos.”
Nesta linha de secretismo, recorda Ferruccio Pinotti que “em Itália – e isto diz muito sobre o grau de controlo que a Opus Dei exerce na nossa sociedade – não houve até hoje um único testemunho público por parte de ex-numerários e ex-numerárias, com base na sua própria experiência”.
Um silêncio dos homens e mulheres feito de lábios selados por longos anos numa organização e que saem de uma organização “numa condição de extrema dificuldade, tendo doado dez, vinte ou trinta anos da sua existência”. Mais: “São pessoas que, por estatuto, cederam todos os seus bens à Opus Dei. Estas pessoas saem sem uma pensão, muitas vezes sem um trabalho, sem uma casa, por vezes até sem uma família porque a Opus Dei contribuiu para a rotura de todas as ligações prejudiciais à ‘causa’”.
Um dos caminhos que o autor se propôs foi o de dar voz a algumas das “muitas histórias ‘secretas’ daqueles que por causa da Opus Dei sofreram e sofrem.” De homens e mulheres condicionados pelo “muro de silêncio erguido pelas cúpulas da Opus Dei”, a tal ponto que alguns há que escolhem o caminho do suicídio como alternativa ao silêncio imposto.
__________
Ferruccio Pinotti
Opus Dei Secreta
Campo das Letras, €25,20
A crueza com que naquele livro são denunciados alguns aspectos da vida interna da organização, ainda que posteriormente negados, como os métodos utilizados na senda dos seus desígnios, chamaram a atenção para uma estrutura que era relativamente desconhecida, mesmo entre os mais críticos do catolicismo e das religiosidades.
A dúvida terá ficado pendente em muitos espíritos, depois de colocadas, face a face, a ficção de Dan Brown e os desmentidos da Igreja. Até que ponto não teria sido demasiado apimentada a caracterização feita no Código, como aquela violência do padre arrastando-se com o seu cilício?
Uma sequela houve: o nome ficou no ar, nos ouvidos. A Opus Dei passou a ser menos desconhecida, pelo menos nas generalidades, que não tanto nos seus objectivos, questiona-se mais a necessidade de uma estrutura assim no seio da velha Igreja, durante muito tempo arrastando-se na invisibilidade, na obscuridade. Do seu poder no Vaticano, na sociedade civil. Do seu significado, para o homem comum, mas também da forma como acabou por ter reconhecimento e casa em Roma.
A verdade é que a gente da Opus é circunspecta. Mesmo nos nomes que acabam por cair na via pública, como foi o caso recente de um banqueiro português, que se terá desvinculado, o silêncio foi a nota dominante. Foi maior o impacte do envolvimento da instituição bancária – o fundador do banco e seu “padrinho” de carreira era da Opus – em que “militava” em investimentos menos ortodoxos do que a ligação aparentemente espúria.
O autor de Opus Dei Secreta, jornalista dado a investigações sobre associações mais ou menos reservadas (ou clandestinas), apresenta-se como peixe na água ao abordar este tema. Recorda ele as abordagens que fez à Opus Dei a partir da sua cidade, Verona, “que – em termos de presença da Obra – foi definida a ‘Pamplona de Itália’”.
Do seu ponto de vista, também em jeito de balanço, abordar a organização “não é empresa fácil”. E relata a sua experiência pessoal, quando pela mão de um sacerdote amigo assistiu a “um encontro da Obra mascarado de curso de filosofia. Uma das muitas maneiras soft usadas para aproximar novos adeptos”.
Uma reunião um tanto estranha, na verdade, atendendo ao relato. E as conclusões que apresenta não o são menos: “Para a Obra, impelir os seus membros e até os simpatizantes não é tarefa difícil. A Opus Dei tem os seus homens em todos os postos chave: bancos, universidades, indústria, grandes jornais. Os nomes só são conhecidos por quem faz parta de Obra e, por vezes, não por todos.”
Nesta linha de secretismo, recorda Ferruccio Pinotti que “em Itália – e isto diz muito sobre o grau de controlo que a Opus Dei exerce na nossa sociedade – não houve até hoje um único testemunho público por parte de ex-numerários e ex-numerárias, com base na sua própria experiência”.
Um silêncio dos homens e mulheres feito de lábios selados por longos anos numa organização e que saem de uma organização “numa condição de extrema dificuldade, tendo doado dez, vinte ou trinta anos da sua existência”. Mais: “São pessoas que, por estatuto, cederam todos os seus bens à Opus Dei. Estas pessoas saem sem uma pensão, muitas vezes sem um trabalho, sem uma casa, por vezes até sem uma família porque a Opus Dei contribuiu para a rotura de todas as ligações prejudiciais à ‘causa’”.
Um dos caminhos que o autor se propôs foi o de dar voz a algumas das “muitas histórias ‘secretas’ daqueles que por causa da Opus Dei sofreram e sofrem.” De homens e mulheres condicionados pelo “muro de silêncio erguido pelas cúpulas da Opus Dei”, a tal ponto que alguns há que escolhem o caminho do suicídio como alternativa ao silêncio imposto.
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Ferruccio Pinotti
Opus Dei Secreta
Campo das Letras, €25,20