Manuela Gonzaga | Doida Não e Não!
1-Como descobriu e se interessou pelo caso de Maria Adelaide
Coelho da Cunha?
R- A primeira vez, foi quando li os diários que a
Senhora de São Vicente escreveu, durante o tempo de internada no Hospital Conde
de Ferreira. Ia entrevistar Monique Rutler. Estávamos em 1990 e a cineasta
lançara Solo de Violino, baseado na história de Maria Adelaide e de
Manuel Claro. Lembro-me bem de ter ficado atordoada, assombrada!, com a dimensão daquela história que, no filme, um belo filme, acaba a cerca de
40 anos do fim da vida deste casal de amorosos. Mas também percebi que, à
época, mãe de quatro filhos pequenos, jornalista a tempo inteiro, não tinha tempo físico para escrever “um romance”. Nem maturidade
para levar a cabo uma investigação que senti que teria de ser muito profunda.
Já na altura pensei que preferiria o registo biográfico puro e duro, em
vez de ceder à tentação de efabular sobre uma história
destas. Mas foi preciso chegar a 2006 para ter tido essa oportunidade em
pleno. Os donos do Palácio de São Vicente, de onde Maria
Adelaide fugira para ir viver com o seu amor, Manuel Claro, puseram um
tesouro à minha disposição e eu levei quase um ano a
garimpá-lo. A verdade é que fora descoberta uma verdadeira cornucópia de
documentos sobre este assunto, no fundo falso de uma escrivaninha. Alfredo da
Cunha, meticuloso em extremos, coligira tudo quanto se pode imaginar que
dissesse respeito à sua mulher. Centenas de documentos,
milhares de páginas. Depois, pessoas que em vida tinham conhecido ambos, ou
apenas Maria Adelaide, pessoas do Porto entre as quais familiares do Manuel
Claro, contactaram-me e partilharam as suas memórias
comigo.
Coelho da Cunha?
R- A primeira vez, foi quando li os diários que a
Senhora de São Vicente escreveu, durante o tempo de internada no Hospital Conde
de Ferreira. Ia entrevistar Monique Rutler. Estávamos em 1990 e a cineasta
lançara Solo de Violino, baseado na história de Maria Adelaide e de
Manuel Claro. Lembro-me bem de ter ficado atordoada, assombrada!, com a dimensão daquela história que, no filme, um belo filme, acaba a cerca de
40 anos do fim da vida deste casal de amorosos. Mas também percebi que, à
época, mãe de quatro filhos pequenos, jornalista a tempo inteiro, não tinha tempo físico para escrever “um romance”. Nem maturidade
para levar a cabo uma investigação que senti que teria de ser muito profunda.
Já na altura pensei que preferiria o registo biográfico puro e duro, em
vez de ceder à tentação de efabular sobre uma história
destas. Mas foi preciso chegar a 2006 para ter tido essa oportunidade em
pleno. Os donos do Palácio de São Vicente, de onde Maria
Adelaide fugira para ir viver com o seu amor, Manuel Claro, puseram um
tesouro à minha disposição e eu levei quase um ano a
garimpá-lo. A verdade é que fora descoberta uma verdadeira cornucópia de
documentos sobre este assunto, no fundo falso de uma escrivaninha. Alfredo da
Cunha, meticuloso em extremos, coligira tudo quanto se pode imaginar que
dissesse respeito à sua mulher. Centenas de documentos,
milhares de páginas. Depois, pessoas que em vida tinham conhecido ambos, ou
apenas Maria Adelaide, pessoas do Porto entre as quais familiares do Manuel
Claro, contactaram-me e partilharam as suas memórias
comigo.
2-Além de uma biografia, este livro é também um
retrato de uma época?
R- Pertencemos a uma época e é em função dela que o
enquadramento de uma biografia, no meu entender, deve ser feita. Ajuda-me a
reforça-me o facto de ser historiadora. Há duas coisas
a destacar, mas podiam ser dúzias! A
história, tal como chegou até nós, seria totalmente outra depois de 1926,
quando a censura foi restaurada. Portanto, num brevíssimo lapso de tempo,
tivemos uma janela privilegiada sobre mentalidades e quotidianos
espalhada pelos jornais. No Diário de Notícias que o Eduardo
Coelho, pai de Maria Adelaide, fundara manifestam-se os detractores da
«infausta Senhora», que se referem sempre a ela como uma pobre louca
sequestrada, algures, por gente sem escrúpulos que
escreve e publica em seu nome. E no jornal A Capital, onde durante dois anos
ela publica as suas cartas. Este cruzar de informações é o fórum onde a
«infausta Senhora» desmonta, peça por peça, a cabala que se urdiu contra si.
Cinco, seis anos mais tarde, isto não será
possível. O jornalismo aqui tem um papel principal. Outro aspecto muito
curioso é a sua fuga do hospício, que coincide com dias
de grande turbação e divisão politica, em consequência da morte do chamado
Presidente Rei, Sidónio Pais. O Norte, que se revia
neste caudilho messiânico, adorado pelas multidões, “separa-se” do Sul. As
comunicações estão cortadas. A sua fuga do Conde de Ferreira, com o apoio do
Manuel Claro, beneficiou muito dessa circunstância. Depois, há a própria mentalidade da época que foi muito interessante reviver.
E a forma como, através da sua escrita, Maria Adelaide se defendeu, de tal modo
que a opinião pública, quase esmagadoramente, acabou por apoiá-la. Falava-se de
muitas outras histórias parecidas. Verdadeiros sequestros de meninas ou
mulheres muito ricas, cuja fortuna passava assim para as mãos dos familiares. E de homens, também. O caso do advogado Dantas
da Cunha é emblemático. Portanto, os hospitais psiquiátricos, e alguns dos
membros dessa elite científica, eram olhados com muita
desconfiança. A forma como se podia interditar alguém, fazia recordar, nos seus
métodos, uma instituição secular e muito odiada: a Santa Inquisição,
desmantelada nos finais do século XVIII após trezentos anos de ignomínia e terror.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Um romance. Vou quase na página cem.
Ficção total. Mas como se passa numa época muito remota, e numa geografia que
não domino, tenho de investigar bastante para tornar credíveis aos meus olhos e
intelecto estas personagens, para mim tão fascinantes, que me bateram à porta
da imaginação e não me dão tréguas.
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Manuela Gonzaga
Doida Não e Não!
Bertrand 17,70€