Manuel: “Uma história de sofrimento, mas também de esperança”
1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro «Manuel»?
R-A escrita do Livro era uma vontade antiga, minha, e muito ligada à transmissão de três ideias. Em primeiro lugar, a vontade de partilhar os valores que ficam e as lições que se aprendem do embate de ter de decidir sobre o nascimento de um filho. Depois, a vontade de partilhar a própria história do nascimento, que é uma história de sofrimento, mas também de esperança, e que teve um final diferente do que estava escrito e decidido. E, finalmente, para procurar transmitir a revolução, primeiro interior e depois exterior, que se verificou em mim e na nossa família, com a chegada de uma pessoa com diferenças para viver no meio de nós, e como essa pessoa, o meu filho Manuel, nos criou uma forma nova de olhar a vida. O Manuel, como livro, acaba por ser uma descrição sobre o valor do respeito pelas pessoas, sobre as transformações por que passamos na vida e sobre os valores com que vivemos.
2-Perante uma situação como esta, há um momento, doloroso e difícil, da decisão de interromper (ou não) a gravidez: o que pesou mais na vossa decisão?
R-Não é só um único momento, são muitos: desde a notícia de uma malformação e de uma cardiopatia grave, até à decisão final sobre a continuação ou a interrupção da gravidez, passam várias semanas, que são sentidas como séculos, porque o relógio simplesmente deixa de bater nessa altura. Na nossa experiência, tudo fizemos para tomar uma decisão assente na razão e no bom senso: mas, no final, todos os nossos argumentos foram destruídos por uma vontade interior que apareceu no último segundo, de amor ao nosso filho, e essa vontade pulverizou toda a racionalidade que tínhamos construído.
3-Ainda continua a ser difícil a integração de uma criança como o Manuel ou já demos passos no bom sentido?
R-A resposta é sim, às duas perguntas. Sim, foram dados passos de gigante no bom sentido e nas últimas décadas, essencialmente com a maior integração destas crianças nas famílias e em escolas de ensino regular, em vez de em instituições de ensino especial, e com as novas gerações a terem uma sensibilidade a estas pessoas como nunca dantes tinha existido. Mas também sim, continua a ser difícil. Existe ainda um olhar distante e impreparado por parte da sociedade – nomeadamente das escolas – sobre estas crianças, durante todo o crescimento, mas que se agudiza quando se tornam jovens e adultos e se coloca a questão da sua integração social. Parte da boa revolução que o Manuel provocou na nossa vida foi a criação de uma Associação, a VilacomVida, em que a Filipa, a mãe do Manuel, conseguiu já mover os céus e a terra e abrir dois cafés inclusivos chamados de “café joyeux”, um em Lisboa e outro numa empresa com uma dimensão social muito forte, a Ageas, em que os trabalhadores são na sua maioria jovens com dificuldades intelectuais e do desenvolvimento, e que conseguem assim um verdadeiro trabalho, junto das pessoas e das empresas, onde podem demonstrar o seu valor como pessoas e como cidadãos.
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João Gomes da Silva
Manuel
Guerra e Paz 13€