Manuel S. Fonseca: Fernando Pessoa e os (seus) três Salazares

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «Que Salazar era o Salazar de Fernando Pessoa?»?
R- Foi a mais óbvia das ideias: juntar o maior poeta português do século XX com a figura que, inegavelmente, mais marcou a política do nosso século XX. Conviveram no espaço público, de 1926 a 1935, ou, para sermos mais rigorosos, de 1928 a 1935. E Pessoa, sendo poeta, mas não deixando por isso de ser cidadão, marcou homem a homem Salazar, escrevendo sobre os principais dos seus actos e dos seus discursos. Esses textos são um património precioso, que conjuga valor literário, valor sociológico e político. Os textos de Pessoa, reunidos e organizados cronologicamente são, afinal, peças históricas.

2-O que é mais marcante e original na visão de Fernando Pessoa sobre Salazar?
R- A sinceridade e lucidez. O Salazar que Pessoa conheceu não era ainda o Salazar em que nós pensamos, fundando-nos nos 40 anos de ditadura, na PIDE, prisões e torturas, censura e Guerra Colonial. Era, nesses anos 20 e 30, um Salazar em construção e, por isso, nos meus comentários ao longo do livro eu digo que Fernando Pessoa viu, em poucos anos, passar pelos seus olhos três Salazares. Pessoa, que era um feroz individualista, avalia, distingue e elogia os méritos do professor Salazar, sobretudo enquanto ministro das Finanças; toma distância em relação ao presidente do Conselho que Salazar passa a ser em 1932; e rejeita com veemência o edifício ditatorial que o partido único, o Acto Colonial e a Constituição de 1933 desenham.

3-Na fase de pesquisa deste livro, o que mais o surpreendeu em Fernando Pessoa e nos seus escritos?
R- O que mais me surpreendeu foi ver a amargura de Fernando Pessoa nos seus últimos anos de vida, em 1934 e 1935. Salazar e o destino de Portugal têm um peso muito grande na mudança de Fernando Pessoa. Antes, era um homem menino, com um portentoso sentido lúdico, capaz de brincar com os seus sobrinhos e de tratar com irreverência a sua obra, regando-a com heterónimos e inventando só na sua obra uma “literatura inteira”. Depois da percepção do que poderia vir de Salazar, Pessoa, que era contra fascismo e comunismo, desiste de publicar – confessa que não escreverá mais em Portugal – e sobre o ditador saem-lhe textos amargos, marcados pela acrimónia e pela mais amarga desilusão.
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Manuel S. Fonseca (org.)
Que Salazar era o Salazar de Fernando Pessoa?
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