Manuel S. Fonseca: “Às vezes, esse europeu que mora em mim teve de se beliscar para ter a certeza de que não estava a sonhar”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu novo livro «Crónica de África»?
R-A palavra chave, ou o motor imóvel deste livro, é gratidão. Este é um livro que nasce da aguda lembrança da felicidade. Fui muito feliz na minha infância e na minha adolescência em Angola. E, diga-se o que se disser, as cores dos trópicos, o caloroso tom do exótico e da aventura dão à vida uma graça singular e gárrula. Subir às árvores, ler livros nos ramos de uma mangueira, ver um chimpanzé a beber Coca-Cola, deixar fugir um saco de caranguejos, são episódios cuja diferença e risonha irreverência exigem a típica reacção, “eh pá, conta, conta lá”. E eu contei. O que tinha a contar deu esta “Crónica de África”.

2-Este é um livro de memórias muito pessoais num contexto específico de Angola e África: como foi recordar agora, com olhos (mais) europeus, todas estas histórias e aventuras?
R-Às vezes, esse europeu que mora em mim teve de se beliscar para ter a certeza de que não estava a sonhar. Chegou mesmo a dizer, ao memorioso que estava sufocado em mim, “Eh lá, aldra…”. E o memorioso foi obrigado a ir ao fundo das lembranças desencantar provas e atestar que o irreal pode por vezes irromper ali mesmo, no meiozinho do quotidiano, seja um canhão apontado ao peito de um amigo, a montagem de um míssil numa estrada a meio de uma tarde de Novembro, um barco oceanográfico a patrulhar a costa para prevenir uma invasão sul-africana.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Acabei de traduzir um livrinho cheio de escândalo de Michel Houellebecq, Alguns Meses na Minha Vida, que vou já publicar, e estou já a traduzir de Nietzsche uns textos que quero publicar de forma autónoma por terem títulos muito irreverentes, Porque Sou Tão Inteligente, Porque Sou Tão Astuto, Porque Escrevo Livros Tão Bons. Talvez escreva um texto a alinhar as minhas razões para roubar estes textos ao livro a que pertencem e isolá-los. E é tudo, para que escreveria eu outras coisas, se não sou capaz de escrever livros tão bons?
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Manuel S. Fonseca
Crónica de África
Guerra e Paz  16€

Manuel S. Fonseca na “Novos Livros” | Entrevistas

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