Manuel António Pina | 1943-2012




















TODAS AS PALAVRAS

As que procurei em vão, 
principalmente as que estiveram
muito perto, 
como uma respiração, 
e não reconheci, 
ou desistiram e 
partiram para
sempre, 
deixando no poema uma espécie de mágoa 
como uma marca de água
impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram
capazes de dizer-me; 
as que calei por serem muito cedo, 
e as que calei por
serem muito tarde, 
e agora, sem tempo, me ardem; 
as que troquei por outras
(como poderei 
esquecê-las desprendendo-se longamente de 
mim?); 
as que perdi,
verbos e 
substantivos de que 
por um momento foi feito o mundo 
e se foram
levando o mundo. 
E também aquelas que ficaram, 
por cansaço, por inércia, por
acaso, 
e com quem agora, como velhos amantes sem 
desejo, desfio memórias, 
as
minhas últimas palavras. 
Manuel António Pina
18/11/1943 § 19/10/2012