Mais que um poema

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

Acabo Confissão da Cláudia Lucas Chéu na Companhia das Ilhas. Mais que um poema – apesar de não existir mais que um poema -, é um texto dramático, para ser dito, ouvido em palco, partilhado com amigos, lido na rua quando nos acham loucos porque lemos ou porque falamos alto ou porque os dois. Confissão de uma menina/mulher/menina outra vez. A infância à lupa, a infância sem infância, a solidão partilhada numa casa sem paredes.

A escrita é crua, ataca o nervo, no osso como dizia o Zé Cardoso Pires, não serve para entreter, mas entretém. Serve para pensar numa menina que diz “Prometi a Deus a minha perna direita em/troca de uma casa no bairro social.” A casa que não é casa porque quase não existe “teve de colocar-se o divã com os pés voltados para a porta,/o que, segundo a mãe, ‘dá pouca sorte’. Por sorte não sou supersticiosa.”

Poucas frases alegres, mas ainda assim a alegria, não a felicidade “Vejo com clareza que a mãe não gosta de mim como uma mãe/deve gostar de um filho, sem esforço.” Mas a alegria “com um pano azul muito mimoso” e “estarem no auge da jovialidade.” Embora nesta última com má memória pois “O sexo era uma das poucas diversões que tinham./Sendo tão pobres e tristes.”

Gostei muito, se lido alto ainda melhor.

“As pessoas más dizem coisas feias de propósito.” E nós sem querer. E no fim não somos o nome que nos dão – que podia ser “Ana Michel” -, mas os momentos de felicidade vivida como naquela viagem com o pai.

“Nenhuma criança obrigada a ser adulta tem culpa.”

Pois não. E eu não tenho poder – ou força? – para perdoar, senão perdoava tudo. Obrigado, Cláudia.
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Cláudia Chéu Lucas | Entrevista