Magda Szabó e a porta que se abre
CRÓNICA
| agostinho Sousa
«A Porta» de uma casa é um obstáculo físico e simbólico entre a sua moradora, Emerence, e o mundo que a rodeia. Ela torna-se a mulher-a-dias de uma escritora e a relação entre ambas evoluirá num jogo de cumplicidade e confiança, em que a primeira tem um papel relevante. Trata-se de uma mulher solitária, estranha e enigmática aos olhos dos demais, com um passado oculto que a ajuda a exercer um poder natural, respeitado por todos, tantas vezes temido e que se irá gradualmente alterando na relação com Magda, a patroa, após uma doença inesperada do marido desta. Ela é assertiva, rude e seca nos seus comentários como quando afirma: «Este cão não nasceu para prisioneiro, mesmo se guardava a casa de bom grado; aliás, os velhos não deviam ter cães, porque mais cedo ou mais tarde, estes ficarão órfãos, e, então, iam para onde?, punham-nos na rua, tornavam-se vagabundos.»
A porta acabará por abrir-se a Magda, revelando segredos de um passado traumático, que serão desvendados de uma forma algo trágica. Apesar das dúvidas iniciais do excesso de autoridade de Emerence, essa descoberta irá afirmá-la uma mulher íntegra e extraordinariamente rigorosa no seu modo de viver na relação com os demais.
A escritora Magda Szabó, húngara (1917/2007), sofreu forte repressão do regime pró-soviético e a narrativa deste livro, de 1987, tem algo de confessional e autobiográfico, numa escrita simples e sem desperdícios mas com uma temática muito rica, que explora de forma aprofundada as relações humanas com imensa mestria. Um grande romance.
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Magda Szabó
A Porta
Cavalo de Ferro
Espinho, 01/05/21