Luísa Tiago de Oliveira: “A seus olhos, o golpe do MFA não devia ser uma quartelada”
1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro “A Caminho do 25 de Abril. Uma Organização Clandestina de Oficiais da Armada”?
R-Foi uma sugestão do meu colega do ISCTE João Freire, que se tornou sociólogo depois de ter sido oficial da Marinha e ter desertado por causa da guerra colonial. Ele próprio, João Freire, fora contactado por um camarado do seu curso da Escola Naval, Carlos Almada Contreiras, porque estava na hora de dar a conhecer a história desconhecida de uma organização clandestina de oficiais da Armada. Sou historiadora, faço História Oral, fui conhecer alguns oficiais da Armada, ouvi-los e ver a sua documentação. Aceitei o desafio. Também me intrigou o facto de os representantes do MFA do ramo da Marinha, excepção feita a Vítor Crespo, serem os únicos que não tiveram grandes divisões durante a Revolução.
2-Que papel tiveram os oficiais da Armada na preparação e na concretização do Movimento das Forças Armadas?
R-A organização acompanhou e procurou politizar a conspiração num sentido democrático, anti-colonial e com preocupações socializantes. Estes oficiais concentraram-se na elaboração de um Programa Político para o MFA, tal como Melo Antunes, o seu autor principal, e outros oficiais do Exército. A seus olhos, o golpe do MFA não devia ser uma quartelada e tinha de ter um “day after”: só um Programa o permitiria e o seu conteúdo afigurava-se essencial. No mesmo sentido, preocuparam-se com quem deveria liderar o país, nomeadamente quem deveria constituir o governo (civil) que deveria formar-se depois do golpe. E tentaram que a ocupação da sede da PIDE/DGS fosse um objectivo militar, para cortar material e simbolicamente com o regime do Estado Novo. Para além disso, foram eles que organizaram e concretizaram a emissão de um sinal sonoro, audível em todo o país, para o desencadear simultâneo das operações militares no 25 de Abril. A questão da saída coordenada das forças militares era crucial, como se vira aquando da revolta das Caldas em que tal não aconteceu assim como em revoltas anteriores contra o Estado Novo. A Marinha resolveu, assim, o problema do sinal para o início efectivo da operação. E o sinal escolhido foi uma canção criada por José Afonso, cantor emblemático de esquerda. Acabou por ser o Grândola, que correu e corre mundo ainda hoje.
3-Na pesquisa que realizou para a preparação deste ensaio, o que mais a surpreendeu e que agora relata no livro?
R-Este ensaio é o primeiro livro que resulta de uma pesquisa que cobre quer os anos anteriores quer os anos posteriores ao 25 de Abril. Na pesquisa em geral, o que mais me marcou foram as estratégias para acabar com a PIDE/DGS e para forçar a libertação de todos os presos políticos, que esta organização de oficiais da Marinha conseguiu, em conjunto com outros militares e civis. A ocupação da sede da PIDE/DGS e o fim desta polícia política representa, no caso português, o que em França representa a tomada da Bastilha. É o marco formal da passagem da Época Moderna para a Contemporânea. Também me marcou a preocupação com o Norte político e com aquilo que hoje se chamaria “sustentabilidade” das opções tomadas ao longo dos dois anos de revolução – e que, na altura, se chamaria apenas responsabilidade. Neste livro em particular, surpreendeu-me a existência de uma organização clandestina de com vários anos de existência, mantendo uma acção continuada em várias frentes e que chegava a ponto de passar o filme Potemkin ou de traduzir e discutir textos anti-coloniais – ou seja, tinha referências idênticas às de várias forças das Oposições ao Estado Novo.
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Luísa Tiago de Oliveira
A Caminho do 25 de Abril. Uma Organização Clandestina de Oficiais da Armada
Edições 70 19,90€