Luís Pedro Cabral: “Como descrever um outro mundo”

1-O que representa no contexto da sua obra literária o livro “Diogo Alves: Serial Killer”?
R-Antes de mais, foi um desafio, com as suas complexidades. Apesar de Diogo Alves ser um personagem resistente no imaginário de Lisboa, a verdade é que a informação sobre a sua vida é muito dispersa, assim como os seus crimes. Retratar Lisboa dos alvores século XIX, é como descrever um outro mundo, numa cidade mais rural do que urbana, onde a vida tinha pouca cotação – em absoluto contraste com a modernidade da baixa pombalina pós-terramoto de 1755 -, onde animais e pessoas partilhavam a cidade, vivendo quase paredes-meias. Era uma cidade suja (suspeito que o tempo do verbo estará desactualizado), rude de muitas maneiras, onde imperava o biscate e a lei do crime, onde a polícia, uma novidade, pouco mais era do que elemento decorativo. O último livro – A Cidade dos Aflitos -, mergulhava num flagelo bem real: o cancro. Foi um ano no IPO de Lisboa, observando, cruzando histórias, para retirar os “doentes” de uma espécie de invisibilidade que a que a sociedade os condena, talvez por medo, que é estigmatizante. Nessa altura, vivia todo o processo da doença com uma pessoa muito próxima, e senti a necessidade dessa procura, do conforto da familiariedade, da compreensão. O “Diogo Alves: Serial Killer”, portanto, envolveu um processo distinto de investigação, tendo sempre presente um equilíbrio ficcional, sem perder o rasto da informação. Sou jornalista há muitos anos. Digo isto por defeito profissional.

2-Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R-Enquanto jornalista este caso sempre me despertou a atenção, até por uma nebula de mito, que se formou no tempo, que subsiste e que provavelmente subsistirá. Já tinha feito uma abordagem mais ficcional para a revista Egoísta e mais tarde voltei ao tema numa abordagem mais jornalística. A ideia do livro não é minha, mas resulta das dessas duas abordagens. A ideia deste livro começou com uma mensagem da Inês Teotónio Pereira, que trabalhou comigo n´O Independente, há séculos, parece. Já não nos víamos há anos. A Inês tinha lido um artigo no jornal Contacto, histórico jornal de expressão portuguesa no Luxemburgo, para o qual escrevo há coisa de cinco anos, e enviou-me uma mensagem, daquelas via Facebook (sempre serve para alguma coisa). Perguntou-me se não queria escrever um livro sobre o caso Diogo Alves, um dos últimos condenados à morte em Portugal, cuja cabeça, decepada logo após a sua execução pública, ainda hoje permanece guardada em formol na Anatomia Patológica, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, no Hospital de Santa Maria. Tinha lá estado há uns anos, para os primeiros trabalhos sobre o Diogo Alves. Optámos, aliás, por incluir no livro uma fotografia da cabeça, fotografada pela Céu Guarda. A imagem dessa cabeça nunca saiu da minha. Já tinha pensado num livro, mas nunca concretamente. Estava em stand-by mental, digamos assim. Reunimos mais tarde com o Duarte Bárbara, editor da Leya. Confesso que ainda não tinha estruturado o livro nessa altura. O Duarte achava interessante tentar – acho que neste caso (se calhar em todos) só podemos tentar – entrar na cabeça deste assassino. A ideia era a parte fácil. O exercício era bastante mais complexo. É da reunião de um puzzle de dados biográficos, relatos da época e de informação muito dispersa, com os estudos de Frenologia (ramo da Medicina que nunca fez escola), conduzidos à cabeça de Diogo Alves para determinar a origem da sua malvadez, que este livro tomou forma.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Estou a acabar (acho eu) um livro sobre uma história com a qual me cruzei há uns anos, quando entrevistei um médico que durante décadas fez em Portugal as cirurgias de mudança de sexo. Foi até pioneiro em diversas técnicas cirúrgicas. Esse processo, como é evidente, exige muitas etapas, sendo a primeira das quais a avaliação psiquiátrica. Foi uma psicóloga que conduzia muitas destas avaliações quem me falou deste caso: um casal que se conheceu na sala de espera dessas consultas, que se apaixonou antes de mudar de sexo e que atravessaram etapas idênticas de mudança. Cada um deles mudou para o sexo oposto, mas o seu amor permaneceu intacto. São ambos de Lisboa, mas resolveram mudar de sítio, onde ninguém os conhecia. Foram para um meio rural, não digo onde. Aliás, o melhor é estar calado.
__________
Luís Pedro Cabral
Diogo Alves: Serial Killer
Casa das Letras  17,70€

Luís Pedro Cabral na “Novos Livros” | Entrevistas

COMPRAR O LIVRO