Leonor Baldaque: “Eu trabalho com a imaginação. Sem isso não há literatura”
1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro “Piero Solidão”?
R-Penso que a obra e a vida nunca estão dissociadas. Eu vivia em Roma, e estava apaixonada pela pintura e pela cultura, pela cidade e pelo calor… E descobri Piero Della Francesca. Um livro é sempre uma operação química em nós, diferentes elementos que se encontram, e se transformam, dão origem a algo de novo… É um texto que me é muito caro. Um livro são muitos e muitos meses de trabalho, por vezes anos, é preciso termos a certeza de que queremos viver com ele esse tempo todo antes de nos lançarmos. E eu quis e adorei esse tempo “lá”.
2-Qual a ideia que esteve na origem deste romance?
R-Foi a descoberta, ao vivo, da pintura de Piero. Nessa mesma noite, comecei essa escrita. Foi algo que se impôs mim. Tudo o que é importante impõe-se a nós. A questão toda é sabermos se estamos à altura de aceitar o que a nossa alma nos impõe.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Um texto muito diferente, que se passa também num tempo recuado. Hoje em dia, os écrans e a internet destroem toda a imaginação. É um mundo plano e triste. As nossas crianças, deixadas sós com os seus écrans, não sabem mais o que é a imaginação. Nenhum mundo de ficção as leva para longe, pois os écrans são mais rápidos, mais coloridos, mais diversificados, e no final, não resta nada, senão um profundo sentimento de inquietação… Enquanto que a literatura, com os seus mundo potentes e profundos, longínquos e demorados, que se entranham em nós e nos transformam, aumentando-nos no nosso ser, abrem a vida a mil novas possibilidades, formas de vida, cores e cenários que não nos deixam vazios, como a internet, mas repletos. É o grande flagelo dos nossos tempos, e peso as minhas palavras. Os pais têm tanto receio de excluir os seus filhos do grupo… E de se excluírem si mesmos… E também eles não dão o exemplo. Eu trabalho com a imaginação. Sem isso não há literatura. Nem leitores… O meu próximo livro fala disso, em filigrana, embora tenha uma âncora na verdade, enfim, numa espécie de verdade. A verdade da ficção.
__________
Leonor Baldaque
Piero Solidão
Quetzal 14,40€