Laurentino Gomes | 1889

1. O que representa no contexto da sua obra o livro
“1889”?
R – Este livro é o fecho de uma trilogia iniciada com 1808,
sobre a fuga da corte portuguesa de Dom João para o Rio de Janeiro, e que
inclui também 1822, sobre a Independência do Brasil. Essas três datas marcam a
construção do estado nacional brasileiro durante o Século 19. Portanto, para
entender o Brasil de hoje é preciso estudá-las. O novo livro é resultado de três
anos de pesquisas no Brasil e nos Estados Unidos. Li mais de 150 obras e fontes
de referência sobre o assunto, em especial os livros do historiador mineiro
José Murilo de Carvalho, que considero hoje a principal autoridade no tema. O
livro 1889 também encerra um ciclo na minha carreira de escritor porque é o
último com data e números na capa. Os próximos terão títulos diferentes.
2. Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R – A grande distância entre a prática e os sonhos
republicanos brasileiros é o pano de fundo deste novo livro. Em 1889, cerca de
80% dos brasileiros eram pobres e analfabetos. Os escravos, libertados no ano
anterior pela Lei Áurea, tinham sido abandonados à própria sorte. Para essa
imensa maioria da população, excluída de qualquer possibilidade participação na
vida política do país, tanto faria que o governo fosse monárquico ou
republicano. Os mesmos cafeicultores, fazendeiros e coronéis que mandavam na
política do Segundo Império continuaram a dar as cartas nos primeiros anos da
República, pelo menos até 1930. A fraude eleitoral, responsável pelo chamado
voto de cabresto, era uma das principais características do Brasil monárquico e
continuou impávida no Brasil republicano. O regime só mudou de nome, mas a
estrutura política se manteve intacta. Como resultado disso, a república se
impôs como fato consumado no Brasil mais pela inércia do império do que pela
força dos ideais republicanos. Ninguém moveu uma palha em defesa da monarquia
em 1889, nem mesmo o imperador Pedro II que, cansado e doente, não tomou
qualquer providência para evitar a queda do regime. A troca de regime se deu
por um golpe militar liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca que, por sinal,
era monarquista até a véspera. Os propagandistas republicanos defendiam liberades
civis, ampliação do direito do voto e outras promessas que não se cumpriram.
Instalada por um golpe da espada, a república brasileira logo se converteu numa
ditadura sob Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Esta é, portanto, uma
república que promete muito e cumpre pouco.
3. Pensando no futuro: o que está a preparar depois do
encerramento desta trilogia?
R – Meu novo projeto editorial é uma série de três livros
sobre a história da escravidão no Brasil, com previsão de lançamento a partir
de 2019. Eu acredito que, 127 anos depois da assinatura da Lei Áurea pela
Princesa Isabel, que libertou formalmente os escravos em 1888, esse é um
passivo histórico que os brasileiros ainda não conseguiram resolver. O grande
abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco afirmava que o Brasil estava
condenado a continuar no atraso enquanto não resolvesse de forma satisfatória a
herança escravocrata. Para ele, não bastava libertar os escravos. Era preciso
incorporá-los à sociedade como cidadãos de pleno direito, o que até hoje não
aconteceu de fato. Por essa razão, escolhi a escravidão como tema dessa nova
trilogia. Acredito seja o assunto mais importante de toda a nossa história.
__________
Laurentino Gomes
1889
Porto Editora


Ler: