Laborinho Lúcio: “Construir uma visão de Portugal”

Um novo romance de Álvaro labirinto Lúcio é sempre de assinalar. Desta vez o autor percorre o Portugal de antes e depois do 25 de Abril. Nas suas palavras, é um romance que deseja contribuir para “a solidificação da consciência de que é olhando criticamente o passado e o presente e assumindo a responsabilidade de ser actor comprometido na construção do futuro que faz sentido celebrar”. Para ler com toda a atenção.
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P-O que representa, no contexto da sua obra, o romance As Sombras de uma Azinheira?
R-O romance As Sombras de uma Azinheira representa, a meu ver, no conjunto dos meus trabalhos de ficção, desde logo, uma linha mais madura tanto na escrita, como na modelação formal do texto, ao mesmo tempo que revela também uma maior segurança narrativa. Por outro lado, quando em confronto com os meus três anteriores romances, O Chamador, O Homem Que Escrevia Azulejos e O Beco da Liberdade, este incide essencialmente sobre a realidade exterior, sobre o tempo e o espaço, e sobre as influências, várias, que ambos têm nas personagens, que surgem como produto daqueles, criando-se entre a interioridade de cada uma e a exterioridade uma relação de ir e vir, muito definida através de um constante questionamento, especialmente sentido, por exemplo, na figura de Catarina. Já nos romances que antecederam este último, o essencial situava-se no interior das principais personagens, sempre em torno da questão clássica da condição humana, seja pela relação desta ora com a verdade, ora com o absoluto, ora com o próprio caos.

P-O seu romance percorre grande parte do século XX português: que país nos quis mostrar a partir das histórias de vida de João Aurélio e de Catarina?
R-A partir dessas duas figuras centrais do livro, pretendo construir uma visão de Portugal entre os 45 anos que antecederam o 25 de Abril de 1974 e os 45 anos que lhe sucederam. Aqueles percorridos através da memória de João Aurélio; estes a partir das perguntas, das dúvidas, das inquietações de Catarina. Do mesmo modo, na definição do espaço, enquanto aquele nos conduz ao interior do país e a uma ruralidade mais tradicional, esta leva-nos para a cidade, a capital e, assim, para um meio urbano de classe média alta. A unir os dois campos, está a política e os diferentes tipos de envolvimento nela das pessoas comuns, quer antes, quer depois daquela data.

P-Para escrever este romance, qual foi a sua principal inspiração?
R- Foi claramente a proximidade dos cinquenta anos do 25 de Abril de 1974 e da passagem dos 48 anos da reposição da liberdade, nomeadamente política, após 48 anos de ditadura. Foi, afinal, o gosto de poder contribuir, ainda que desta forma modesta, para a celebração dessas datas e, sobretudo, para a solidificação da consciência de que é olhando criticamente o passado e o presente e assumindo a responsabilidade de ser actor comprometido na construção do futuro que faz sentido celebrar, juntando ao gosto da festa a responsabilidade pela escolha dos caminhos a trilhar doravante. Trata-se, todavia, de um Romance e não de um Ensaio. E – espero eu – de um Romance que narra uma história na qual todas as gerações podem reconhecer-se ou, talvez dizendo melhor, encontrar-se, seja nesta, seja naquela personagem, seja numa, seja noutra das situações narradas.

P-Uma pergunta muito pouco original: onde estava no 25 de Abril de 1974?
R- Era Juiz de Direito na Comarca de Oliveira do Hospital. Tinha acabado de ser transferido, a convite, para a Procuradoria da República de Coimbra, sendo nessa data que deveria transportar os meus pertences para esta cidade. Passei a noite a encaixotar livros, pratos, talheres, o que é normal em tais circunstâncias, tendo começado pelo rádio e pelo aparelho de televisão. Acordei tarde no dia 25, e só já muito perto da hora do almoço me dei conta de que a revolução de que ia ouvindo falar tivera lugar em Lisboa. A empresa de transportes que devia chegar pelas 15.00 horas, não havia meio de se fazer presente. Liguei para o número de que dispunha, onde fui informado de que não ia haver mudança dados os acontecimentos em curso. Ainda disse que podíamos seguir, prometendo que iria eu, de carro, à frente, por forma a poder apresentar-me como juiz, no caso de sermos interceptados. Porém, logo me foi dito, do outro lado da linha, que «isso era dantes, senhor doutor juiz!». Tinha havido uma revolução. Afinal, acabámos por ir. À noite, em casa, apenas com a televisão retirada dos caixotes, e de roda de uma lata de atum, fui ouvindo notícias e contendo, com dificuldade, a emoção. Tinha mesmo havido uma revolução.

P-Como escritor e testemunha activa deste percurso de quase 50 anos após o 25 de Abril, que balanço faz?
R- Um balanço extraordinariamente positivo. Querer comparar o país que era Portugal, antes de Abril de 1974, com o Portugal de hoje, no sentido de apurar qual deles é melhor, é intuito que quase roça os limites da decência. Já é mais séria a comparação entre aquilo que somos e aquilo que podíamos ser, sendo absolutamente urgente criar um verdadeiro compromisso de cidadania com vista a debater e a traçar, democrática e participadamente, as linhas do futuro que queremos, como comunidade, construir. Também para isso este livro pode ser um pequeno contributo. Muito pequeno, como é evidente. Mas um.

P-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Por agora estou a despedir-me deste último romance, acompanhando-o em sessões de apresentação, em debates em clubes de leitura, em entrevistas, etc.. Vou continuando a intervir publicamente como venho fazendo há muito, e respeitando compromissos assumidos nas áreas onde me dão o gosto de solicitarem a minha participação. Tenho algumas ideias para o próximo trabalho de ficção, mas estou a deixá-las à vontade, para que andem de um lado para o outro, livremente, até que uma delas se fixe e, então, eu me ponha a escrever rendido a essa.
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Álvaro Laborinho Lúcio
As Sombras de uma Azinheira
Quetzal  16,60€

Álvaro Laborinho Lúcio na “Novos Livros” | Entrevistas

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