King: Há pessoas treinadas para nos ensinar no que podemos acreditar

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

De volta ao mestre, desta vez com uma história sobre uma criança que vê mortos “Pois é, vejo mortos. Que me lembre, foi sempre assim. Mas não é como aquele filme do Bruce Willis.” A genialidade é também isto: pegar em coisas remexidas e dar-lhes outra volta até se tornarem nossas.
De tudo, o título, Depois ou Later, é o mais enigmático, mesmo com a personagem principal na primeira pessoa a dar de caras com os recém-defuntos que não conseguem mentir a perguntas directas “os mortos têm pinta de vivos, só que usam sempre a roupa com que morreram.”
É um livro com a pretensão de não desafiar o destino, mas falha-o redondamente (não sei se haverá outra forma geométrica de o fazer, aposto que sim): “quando o dedo caprichoso do destino aponta para nós, todos os caminhos levam ao mesmo sítio.”
No fundo é apenas como ter olhos azuis ou cabelo castanho, não é um poder, é uma característica e “os adultos têm dificuldade em acreditar…quando em crianças descobrem que o Pai Natal é mentira e que a Caracóis Dourados não é uma menina real e que o Coelhinho da Páscoa é uma treta (são só três exemplos, poderia dar mais), ganham uma espécie de complexo e deixam de acreditar em tudo o que não conseguem ver.”
Nunca sabemos se somos normais a viver normalidade, nem o que é ser essa coisa de normal, nem mesmo se a nossa anormalidade pressentida estará lá no fundo, escondida, ou seja tão evidente que brilhe. Há sempre quem consiga ver e anormalidade não quer dizer que seja mau. “- Deve ser muito estranho poder fazer o que fazes…/Pensei em perguntar-lhe se ela sentia medo de olhar para a noite e ver as estrelas e saber que perdurariam toda a eternidade…respondi que não. Uma pessoa habitua-se às coisas extraordinárias. Toma-as como certas.” Os poetas não, digo eu, insuspeito. Mas eu não vejo mortos, a mim só me visitam em sonhos.
Há pessoas treinadas para nos ensinar no que podemos acreditar. Conseguem ser persuasivas se não nos pomos a pau, têm olhos hipnóticos e vozes evocativas, com sotaques simpáticos e reconhecíveis. A maior parte não faz por mal, mas faz mal, mesmo que não o admitam ou saibam ou desconfiem. “…as crenças são um grande obstáculo a superar e diria que para as pessoas inteligentes é ainda maior. Porque as pessoas inteligentes sabem muito, e isso talvez as faça julgar que sabem tudo.” São erros facilmente colmatáveis se melhorarmos as nossas companhias “Os livros são a magia mais portátil que existe.”
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Stephen King
Depois
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