Kerouac: regresso a um grande livro


CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

Pois é, há livros que se lêem tarde e ainda bem. Da maneira como sou influenciável, se o tivesse encontrado aos 16 anos talvez me fizesse à estrada numa loucura insana: “trotava atrás deles, como toda a vida fiz no encalço das pessoas que me interessam, porque as únicas pessoas autênticas para mim, são as loucas, as que estão loucas por viver, loucas por falar, loucas por serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, as que não bocejam nem dizem nenhum lugar-comum, mas ardem…” como o fantástico e atordoante Dean Moriarty (Neal Cassidy), “o empregado de parque de estacionamento mais fantástico do mundo.”

Desde o início Jack (Sal Paradise) garante que “as coisas que viriam a suceder são demasiado fantásticas para não serem contadas.” Eu não as acho assim tão especiais como o Lennon deve ter achado ao dar o nome da geração Beat à sua banda, mas a escrita desenfreada, ao ritmo das viagens frenéticas, quase sem cuidado no rolo de papel com álcool e benzedrina, isso sim.

Muita loucura, muito pós-guerra, muito beat e muito bop. As origens do rock e do heavy metal, mas também da droga e da alienação, “sucedesse o que sucedesse, tanto lhe fazia.”

Mas acima de tudo partir, a viagem e o horizonte “o sol era da cor de uvas espremidas, raiado de vermelho-borgonha, os campos tinham a cor do amor e de mistérios espanhóis.”

Os amigos loucos: Carlo Marx (Allen Ginsberg, presente também no último livro que li da Patti Smith) e Old Bull Lee (William S.Burroughs, o homem que matou a mulher numa brincadeira e escreveu “Naked Lust” que o próprio Kerouac, ao ler mal o título, fez com que mudasse para “Naked Lunch).

Fugir, fugir! Das pessoas normais, dos sedentários que não percebem nada porque “não há nada que os amedronte mais do que aquilo que querem.”

Corrida louca, escrita louca, os olhos abertos dias a fio até ao sono mais profundo até ao “instante em que se percebe tudo e em que tudo fica decidido para sempre.”

Fugir, fugir! Pela estrada fora a toda a velocidade até esquecer quase tudo, até sentir os olhos em chamas, até voltar a encontrar “a secreta alegria” há muito perdida.
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Jack Kerouac
Pela Estrada Fora
Relógio d’Água

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