Julian Barnes: Tentar melhorar um momento perfeito nunca resulta

CRÓNICA
|Rui Miguel Rocha

Um livro sobre a memória e a morte. O sítio onde as duas se juntam no esquecimento em que tudo, inevitavelmente, cairá. Quem rirá por último?
Sempre com um humor nada histriónico, Julian percorre religiões, ciências, biografias e histórias de desconhecidos para chegar à conclusão sem conclusões, por vezes dolorosa, muitas vezes na origem ou na manutenção de insónias: o grito a meio da noite. A solidão.
E como isto da morte traz sempre Deus ao barulho, há que relembrar o tempo em que o próprio autor se desacreditou: “Deus não podia certamente existir, pois a ideia de Ele me observar enquanto eu me masturbava era absurda.” Talvez um pouco histriónico afinal, mas nada como jogar pelo seguro e manter a maiúscula.
Se contarmos com a segurança de certos, poucos talvez, padres, poderemos almejar esperança? “Não acha que eu ía passar por tudo isto, se no fim não houvesse o Paraíso, pois não?”
Tantas negociatas com deus para no fim ele poder não ser nada do que pensamos: “Deus pode preferir o cético honesto ao oportunista interesseiro.” Ou nenhum dos dois, acrescentaria eu. Também a imbecilidade de “acredita! Mal não faz” e do que pensaria a divindade de tudo isso.
Segundo o irmão filósofo do autor, existe outra versão mais alegre, vinda da boca de Cícero: “após a morte, ou nos sentimos melhor ou não sentimos nada.”
Há também a versão de Jules Renard (escritor que atravessa todo o livro): “talvez o facto de Deus ser incompreensível seja o argumento mais forte a favor da Sua existência.”
Quanto à moral que a religião pode trazer, Barnes não tem dúvidas que “crentes e não crentes têm sido igualmente engenhosos e abjetos nas práticas criminais.” Mas voltando à prova definitiva, há que ouvir um antigo professor de Oxford, que dizia que “a afirmação ‘Deus não existe’ era tão desprovida de sentido como a afirmação ‘Deus existe.’”
Planear a morte, apanhar-se desprevenido com a sua visita, mortes cómicas, trágicas e esotéricas, encenar: “Quando eu era novo, tinha pavor de voar. O livro que escolhi para ler no avião era o que achava apropriado para ser encontrado sobre o meu cadáver.”
A famosa frase de Koestler “antes de estarmos vivos, estávamos todos mortos.” E a morte funciona tão bem que “compraríamos ações da morte, se as houvesse; apostaríamos nela, por baixa que fosse a cotação”.
No fundo somos um conjunto de neurónios “o ‘eu’ que tanto acarinhamos só existe realmente na gramática.”
E ainda, a morte de Zola, a morte do sol segundo Martin Rees “não serão os humanos que verão a morte do sol daqui a seis biliões de anos. As criaturas que existirão nessa altura serão tão diferentes de nós como nós somos das bactérias ou das amibas.”
E para acabar que já vai longo (mas podia ser mais), “tentar melhorar um momento perfeito nunca resulta”, e no entanto, lá andamos nós atrás disso mesmo.
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Julian Barnes
Nada a Temer
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