José Viale Moutinho: “Um edifício de mais de uma centena de janelas falsamente escancaradas”

P-O que representa, no contexto da sua obra, o livro «A Estranha Vida dos Ausentes»?
R- É como que um edifício de mais de uma centena de janelas falsamente escancaradas para os temas que tenho tratado desde 1968, com Natureza Morta Iluminada. Todos os mistérios. Interrogações não sistematizadas, aventuras imaginadas e protagonizadas pelo autor-personagem. Possivelmente este livro poderá ser considerado a minha mais completa autobiografia, mesmo com umas costelas justiceiras. Ao cabo de mais de meio século de trabalho de escrita, este é o átrio desse tal edifício. Este A Estranha Vida dos Ausentes é um ponto e vírgula mais nos meus livros de ficção, o perigar do cânone do conto na minha perspectiva. Iniciei com esse livro inicial, que se afirmou em No País das Lágrimas (de que acaba de sair a 4ª edição) e que, total ou parcialmente, tem traduções do russo ao castelhano, do búlgaro ao asturiano,  no Romanceiro da Terra Morta (que vai na 3ª ed.), no Cenas da vida de um Minotauro e no Monstruosidades do Tempo do Infortúnio (ambos já reeditados). Curiosamente, estes dois últimos receberam o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco, como que um aviso à minha própria navegação.

2-Esta é mais uma incursão pelo conto que, de certa forma, podemos dizer que é predominante na sua escrita: o que mais o motiva neste género?
R- O conto é o caminho mais sedutor para a alteração dos cânones. O romance, a novela, o poema, mesmo algumas ideias assomam como preocupações sociais, assim como a gesticulação teatral. Estes meus textos ficcionais  suponho que vão para lá do conto, apesar de comodamente assim os designar.

P-Uma novidade é a sua opção em vários contos pela ficção muito curta (menos de uma página): anda mais intensamente à procura da forma mais concisa de contar as histórias?
R-Já passou à sabedoria das nações que as ficções com estas dimensões, pelas singularidade e qualidade reconhecidas lograram a designação de quarto género! Entre nós, as antologias de contos ainda não contemplam estas ficções mais curtas. No entanto, os espanhois publicaram recentemente uma ampla antologia do conto curto , exibindo uma tradição apreciável. De relevo, hoje em dia, o livro Desaprendizajes, de Caballero Bonald. A não perder ainda, no panorama francês do conto curto o Le Trottoir au soleil, de um brilhante Philippe Delerm. Cá por casa, podemos recuar a ao padre Manuel Bernardes. Ou ao nosso contemporâneo Gonçalo M. Tavares. O leitor tem é de estar atento ao que se vai publicando. Mas que faz falta uma antologia histórica e literária desta matéria, é inegável.

P-Uma tónica no livro é o carácter um pouco irreal (ou até surreal) das histórias dos vários ausentes que vivem nele e lhe dão forma: sentiu que, por vezes, a realidade ultrapassa a própria ficção?
R- Realidade? Ficção? Este jogo é de palimpsestos, de cumplicidades, de tecelagem, e sempre o que fazemos corre o risco de estar à margem dentro de tudo!

P-Uma surpresa num livro de contos é encontrar histórias que assumem mais a forma de um poema: razões desta opção?
R- Então, meu caro, estranham-se os poemas em prosa (Picasso foi autor de umas largas dezenas deles!), então que nos proíbe arrumar como os versos as prateleiras e os discursos da prosa ficcional?

P-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- De longe a longe tenho publicado ficções que poderia rotular de novela ou romance. Está na hora de sair uma outra ficção mais longa, uma experiência mais. Recordo que os títulos do que servi noutros tempos como tal: Entre Povo e Principais (1981), Los Moros (2000), Quatro Manhãs de Nevoeiro (2016) e A Batalha de Covões (2016), este eu está para sair em italiano na próxima temporada. Tenho ainda um livro constituído por fragmentos da realidade que intitulei O Diabo Coxo (2015).
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José Viale Moutinho
A Estranha Vida dos Ausentes
Caminho  16,90€

José Viale Moutinho na Novos Livros | Entrevistas

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