José Sá | Os Filhos de Mussa Mbiki

1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro
“Os Filhos de Mussa Mbiki”?
R-Há quarenta anos que ganho a vida a escrever. Entre
reportagem, ficção, guionismo, tradução, etc., já produzi e publiquei milhões
de caracteres de texto para jornais, revistas, teatro, rádio, cinema,
fotonovelas, sites, sei lá…  Não posso,
talvez, viver sem escrever, mas posso com certeza viver sem publicar. Creio que
escrevo para me definir, mas não necessariamente perante os outros. Além disso,
sempre entendi que, antes de publicar um livro, um autor deve ponderar se
aquilo que o mundo vai ganhar com aquela edição justifica os danos ambientais
que a inerente produção de celulose acarreta. Não estando certo de passar nesse
teste, vivi feliz sem livro publicado até que, recentemente, uma série de
acontecimentos me levou a repensar a questão. Enumerando: apaixonei-me; vi-me
privado de um filho ainda criança; diagnosticaram-me um cancro; e fui avô pela
primeira vez. A mulher por quem me apaixonei, a Joana Caspurro, deu-me um conselho
que foi determinante. Quando lhe pedi a opinião sobre um romance que eu andava
a escrever, respondeu-me “Esquece. Devias é publicar os teus contos.” E eu fui
ao computador ver o que lá tinha que pudesse reunir, com coerência, numa
recolha de contos.   
2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R-Regresso aos factos atrás referidos: o filho longe, a neta
recém-nascida e a eventual falta de tempo para lhes contar o mundo que vivi, o
país que vivi, um bocado como o Brecht: “Lembrai-vos de nós com indulgência!
Nós, que quisemos preparar o terreno para a bondade, não pudemos ser bons.” Com
isso em mente seleccionei estes textos que a Companhia das Ilhas agora edita,
com ilustrações originais de José Pinto Nogueira. Alguns são muito antigos, mas
todos foram profundamente reformulados, para não dizer escritos de novo. Na sua
génese há de tudo: memórias pessoais, histórias que ouvi, notícias de jornal…
Todos os contos decorrem em Moçambique durante o quarto de século de guerras
que devastou o país, entre 1964 e 1992. Ou seja, entre os meus 16 anos e os
meus 44 anos. Conto o que vi acontecer, registo para daqui a vinte ou trinta
anos, se o Zé e a Filipa e seja quem for tiverem tanta curiosidade em saber
como era “no meu tempo” como eu tenho de saber como era “no tempo” do meu pai e
do meu avô. Para ser autêntica, a narrativa teria de se demarcar dos
estereótipos da Mamã África, da armadilha do exótico que nega a universalidade
aos africanos e, em última análise, os coisifica, como o massai de “Out of Africa”.               
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Escrevo sempre várias coisas ao mesmo tempo. Estou a
trabalhar numa recolha de contos, todos escritos de raiz. Tenho tentado deixar
Moçambique enquanto espaço narrativo e tratar outras geografias e outras gentes
que conheci, mas quando chego ao fim e releio, soa-me a falso. Para mim,
Moçambique é um tema obsessivo, talvez nunca consiga livrar-me dele.
Alternativamente, posso voltar ao romance, reler e ver se tem ponta por onde se
pegue. Já escrevi nove capítulos, mas sei que, se o retomar, vou ter de cortar
muita coisa, e isso angustia-me. Agrada-me mais a ideia de voltar ao teatro,
área em que muito trabalhei nos anos 1980/90, como dramaturgista e encenador do
grupo Tchova Xita Duma. Há dias, ao terminar um conto, ocorreu-me que aquele
texto estava mesmo a pedir para ser peça de teatro. Last but not least, ainda
tenho de concluir o projecto de um livro para crianças, “A história das
estórias”, com texto e desenhos meus.
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José Sá
Os Filhos de Mussa Mbiki
Companhia das Ilhas