José Luís Andrade | Ditadura ou Revolução?


1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro “Ditadura ou
Revolução? A Verdadeira História do Dilema Ibérico nos anos decisivos de 1926-1936″?
R: Desde que tomei consciência de mim que intuí ser, por
natureza, um rebelde. Apesar da formação académica em Engenharia, o gosto e
curiosidade pela História apareceu-me bem cedo na adolescência. E talvez a
formação científica, e a sua intrínseca lógica e sistemática, me tenham levado
a perceber mais facilmente o quão absurdo e cientificamente errados estavam
obras habituais na formação dos curiosos espíritos juvenis da minha geração,
como o Contrato Social de Rousseau ou a Origem da Família, da Propriedade Privada
e do Estado
de Engels. A irreverência trouxe-me a vontade de perscrutar e
procurar ajuizar sobre as coisas que me eram narradas pelos programas de ensino
oficiais ou pelos canais de divulgação cultural hegemónicos. E cedo veio o
desencanto perante a adulteração dos factos históricos, que via escamoteados e
manipulados em favor de uma narrativa mais ajustada à “verdade” fictionada
imposta pela matriz ideológica dominante. Que hoje em dia é uma boa cópia do
«Ministério da Verdade» de que Eric Blair (George Orwell) nos falava em 1984.
Mas mesmo aqueles que intuem, pelas mais diversas razões, que a fast History
que lhes é servida de bandeja não corresponde à verdade dos factos, são levados
a desinteressar-se por procurar conhecer, acomodados numa atitude de preguiça
mental. Ora, como afirmaram, entre outros, Chesterton, Hannah Arendt ou George
Orwell (em O Triunfo dos Porcos) essa atitude de «não querer saber», confiando
amorfamente no que nos é transmitido pelas correntes culturais dominantes é o
verdadeiro gérmen do pensamento totalitário. Foi com o intuito de provocar os
«acomodados» que resolvi desenvolver um projecto de investigação na área da
História Contemporânea que deverá culminar na apresentação de uma tese sobre a
participação portuguesa na Guerra Civil de Espanha, de que o presente livro é
um prolegómeno.
2-Quase 80 anos depois, que importância teve a década de
1926-1936 na história do século XX em Portugal?
R: O conhecimento da História, isto é, do Passado, é
fundamental para a compreensão do Presente, e verdadeiro trampolim para o
Futuro. Do atoleiro em que desaguara a I Grande Guerra Mundial emergiram
violentas correntes revolucionárias. Com o apoio interesseiro dos alemães, a
Revolução Russa irrompeu febricitante em 1917, anunciando auroras vermelhas de
esperança e de resgate para as massas desnorteadas. Era uma fé adolescente que
oferecia um mundo novo sobre os escombros da sociedade burguesa liberal cujos
figurões havia que sacrificar propiciamente nos altares revolucionários, usando
a velha liturgia do rito jacobino. Incapazes de lidar com a agitação em cadeia
que, de forma organizada, punha em movimento os «indigentes», as democracias
parlamentares estrebuchavam, reagindo de forma avulsa aos variegados arietes
disruptivos.
Enquanto ao lado, uma ensimesmada Espanha lambia ainda as
feridas do colapso do seu Império às mãos dos Estados Unidos, com a perda de
Cuba, de Porto Rico e das Filipinas na desastrosa guerra de 1898, no canto
sudoeste da Europa, Portugal, prostrado pela irresponsável entrada no teatro
central do grande conflito, olhava par o céu ansioso por uma manifestação do
providencialismo divino. As elites, sobretudo as afectas ao Partido
Democrático, que através de um bem controlado esquema eleitoral se pareciam
eternizar no poder, viviam cada vez mais divorciadas do povo. O interregno
cesarista do major Sidónio trouxera ao «país real» uma promissora abordagem às
questões da ordem social e da solvência das contas do Estado, que persistia em
ameaçar bancarrota. Após uma circunstancial recaída, não foi com grande
surpresa que o país assentiu, de forma activa ou passiva, à recuperação do
paradigma da intervenção castrense no controlo do Estado. Mas se os militares
pareciam conseguir resolver a questão da ordem a contento já o problema financeiro
exigia uma solução mais académica. Nesse contexto, quase impercetivelmente, um
esfíngico professor de Coimbra acabaria por se impor como Ditador, o das
Finanças e o da Nação, projectando-se como protagonista do filme do século XX
português. Folheando a narrativa comentada que constitui o novelo central do
livro, cruzar-nos-emos com as divergentes visões ideológicas sobre o papel do
Estado na sociedade. Desde o minimalista princípio da subsidiariedade até à
estatização total, passando pelo controlo oligárquico quer da burocracia quer
dos sectores infraestruturais e productivos, potenciadores de nepotismo e
corrupção endémica. Ou questões como a escolha entre o primado da economia e o
do orçamental, com o controlo das contas do Estado. E muitos interrogar-se-ão
sobre se estaremos hoje assim tão longe das razões que originaram e potenciaram
a terrível decisão entre as ditaduras autoritárias e as tiranias
revolucionárias.
3-Na investigação que realizou para escrever este livro, que
relevantes factos novos ou menos conhecidos encontrou neste período?
R- Se algum mérito o livro tem, para além de abanar
consciências instaladas, é o retoque cromático que procurei dar a uma narrativa
habitualmente a preto e branco e maniqueisticamente desequilibrada pela diabolização
dos adversários. Para os leitores mais curiosos, as notas de rodapé fornecem
informações complementares sobre este ou aquele detalhe da narrativa histórica.
Muitos desses apontamentos desmistificam as versões correntes de estórias aos
quadradinhos, cada vez mais hollywoodescas, onde a partir de um fulcro de
realidade isolado se constrói um cenário ficcionado, apresentado posteriormente
como a verdade absoluta, devidamente certificada pela caixa-de-ressonância dos
opinion makers. Se quiser exemplos, saliento a complexidade política e social
da matriz geradora do 28 de Maio; a luta intestina entre anarco-sindicalistas e
comunistas afiliados à Komintern; o papel de Diogo Pacheco de Amorim como
intermediário de divergências entre Cerejeira e Salazar; a pouco conhecida
amnistia exigida por Salazar ao assumir a presidência do Ministério, verdadeiro
exercício de poder sobre as facções militares; a descrição detalhada da
intervenção dos governos espanhóis de matriz maçónica e socialista na oposição
à ditadura militar portuguesa; o trabalho realizado por Aristides de Sousa
Mendes ou Humberto Delgado contra o Reviralho, em prol do Estado Novo, etc..
Mas, para o leitor português, o mais surpreendente talvez venha a ser o papel
anti-democrático desempenhado pelo Partido Socialista espanhol (PSOE) na
desestabilização da II República, enriquecido pelo poder financeiro que lhe
adveio da sua colaboração com a ditadura do general Primo de Rivera; perdido o
poder nas eleições de Novembro de 1933, o PSOE, que se assumira como o «dono do
Estado», foi o promotor da revolução da Astúrias e o catalisador da insurreição
separatista da Catalunha de 1934, verdadeiro prólogo da guerra civil. E
seguramente a especulação final sobre as razões porque não houve, na altura,
guerra civil em Portugal não deixará ninguém indiferente.
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José Luís Andrade
Ditadura ou Revolução? A Verdadeira História do Dilema
Ibérico nos anos decisivos de 1926-1936
Casa das Letras, 16,90€