José Filipe Pinto: Sobre uma Europa Desunida

1 – As bases originais da Europa e do projecto europeu têm sofrido vários problemas ao longo dos últimos anos: a actual pandemia será o fim ou o momento de uma reinvenção?

R – A minha convicção é que a atual pandemia não será suficiente nem para a desagregação da União Europeia nem para uma total reinvenção do modelo. A forma como a União Europeia reagiu inicialmente à pandemia, nomeadamente no que diz respeito à decisão unilateral de encerramento de fronteiras tomada por alguns Estados membros, e a posterior dificuldade do Conselho em chegar a um acordo sobre as medidas destinadas à recuperação da crise económica e social provocada pela pandemia provam que há membros que continuam a lidar mal com a soberania de serviço decorrente da integração, embora continuando a ver a pertença à UE como uma mais-valia. Face ao exposto, julgo que a Comunidade se manterá, embora o hibridismo resultante da existência de órgãos intergovernamentais e supranacionais se veja obrigado a evolucionar no sentido de uma visão mais federalista. Aliás, um primeiro passo nesse sentido foi dado com a alteração de posição relativamente à mutualização da dívida pública, depois de um processo moroso devido à obstinada resistência de vários membros.

2 – Até há meses, o mundo que se desenhava era global. A pandemia veio baralhar tudo: como fica a Europa no meio desta tempestade?

R – Se há algo inquestionável sobre a pandemia é que se está a encarregar de provar que o Mundo é cada vez mais global e, por isso, as respostas locais são insuficientes se não forem parte integrante de uma estratégia mais abrangente. Sobre a Nova Ordem Mundial, sabemos melhor o que não queremos do que aquilo que efetivamente desejamos e estamos em condições de criar. Penso que vamos assistir a um multilateralismo em que os Estados Unidos da América e a China se assumirão como as duas maiores referências a nível económico, mas onde haverá espaço para outros países, como a Rússia e a Índia, dois países que já não se satisfazem com a condição de emergentes, e para a União Europeia enquanto nível mais elevado de integração regional. Convirá, no entanto, frisar que nenhum país da UE, de forma isolada nem mesmo o eixo Berlim-Paris com ramificações a Roma e Madrid, terá uma palavra a dizer na arena mundial. Por isso, convirá que os Estados membros da Comunidade percebam que o todo pode e deve ser muito superior à soma das partes.

3 – E Portugal, como país pequeno e periférico, mas, apesar de tudo, maioritariamente europeísta: qual o nosso papel?

R – Portugal nunca foi centro, mesmo quando iniciou a primeira globalização. Na conjuntura atual, urge que Portugal saiba compatibilizar a integração europeia com a condição lusófona. Por um lado, deverá usar a integração na União Europeia e o ativo dela decorrente para diminuir a condição de Estado exógeno que o acompanha desde o berço em Guimarães porque os fundos europeus não são um poço sem fundo. Obviamente que esta integração só será plena se Portugal se assumir como um ator que se respeita e sabe merecer o respeito da Comunidade. Por outro lado, deverá assumir-se como um ativo para a segurança do Mundo Ocidental tirando proveito da sua posição geoestratégica e articulando-se com outros países da CPLP para que o Atlântico se transforme num Oceano Moreno que fala português.
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José F. Pinto
Estados Desunidos da Europa
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