José Filipe Pinto: “O populismo é um fenómeno com cerca de dois séculos”

P-Qual a ideia que esteve na origem deste livro “As Europas e os Novíssimos Príncipes. Os Escândalos Populistas”?
R- Como o título deixa antever, procurei mostrar que a Europa não pode ser vista como um todo homogéneo e que o populismo, apesar de gostar de se apresentar como o arauto da virtude, está longe de justificar essa imagem. Daí a escolha do subtítulo. O título representa, ainda, uma homenagem ao Professor Adriano Moreira, o autor da obra O Novíssimo Príncipe. Um príncipe que vislumbrou no Movimento das Forças Armadas (MFA), o único que teve a clarividência de se afastar do Poder para não repetir o fracasso do príncipe condottiero de Nicolau Maquiavel e do príncipe-partido de António Gramsci. Clarividência que os líderes populistas, os novíssimos príncipes, não terão, pois o seu objetivo passa por  capturar o Poder, servindo-se dos mecanismos que a democracia representativa coloca ao seu dispor.

P-Podemos considerar que, na Europa (ou no mundo) há um só populismo ou vários populismos?
R- O conceito de populismo está longe de consensual mais parecendo uma espécie de sapato de Cinderela, uma vez que cada investigador apresenta a sua definição. Na minha perspetiva, o populismo é uma forma de articulação do discurso visando a luta pela hegemonia entre dois corpos pretensamente homogéneos: o povo puro e a elite corrupta. Porém, a forma como se concebe os conceitos de povo e de elite dá origem a várias modalidades de populismo, designadamente, antissistema, cultural ou identitário, socioeconómico e digital ou 2.0.  Em discussão, está a possibilidade, que este livro já analisa, do surgimento de uma nova modalidade: o populismo transnacional.

P-Qual a génese dos populismos na Europa?
R- Existem dois aspetos que importa frisar. Primeiro, o populismo é um fenómeno com cerca de dois séculos, pois, enquanto palavra e movimento, surgiu na Rússia czarista, em meados do século XIX, e teve em Herzen o seu criador. Por isso, mais do que falar em génese dos populismos, talvez se imponha falar do seu recrudescimento. Segundo, apesar da sua origem no leste da Europa, o populismo está longe de se circunscrever ao continente europeu. Basta ter em conta que o continente americano, sobretudo na sua parte central e meridional, constitui um autêntico alfobre de líderes populistas. Face ao exposto, não parece abusivo afirmar que o populismo recrudesceu na Europa devido a condições objetivas – a soberania de serviço resultante da integração europeia, a crise económica e a chegada de grandes levas de refugiados e imigrantes – e fatores subjetivos, ou seja, a existência de líderes carismáticos.

P-Os diversos protagonistas populistas que vão surgindo e conquistando posições em vários países colocam em perigo a Democracia ou serão um fenómeno passageiro?
R- Em obra anterior, questionei se o populismo representava uma ameaça para a democracia ou se, pelo contrário, podia constituir uma oportunidade para repensar e aperfeiçoar o modelo democrático. O trabalho de campo que efetuei em vários países onde o populismo está no Poder ou já representa parte importante da oposição permitiu-me concluir que, ao contrário daquela que era a opinião de muitos partidos da mainstream, o populismo não é um epifenómeno. Representa, isso sim, um perigo real ou efetivo para a democracia.

P-No contexto europeu e mundial, como podemos analisar e interpretar o populismo em Portugal?
R- Houve uma fase em que o populismo conotado com a extrema-direita, o populismo identitário, quase não foi detetável em Portugal, a exemplo do que se passava na vizinha Espanha. Nessa altura, que coincidiu com o aprofundamento do processo europeu de integração e a crise económica, o populismo na Península Ibérica recorria a elementos ideológicos ligados ao socialismo, como acontecia com o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e o Podemos. Na atualidade, o panorama está a mudar porque Portugal, tal como a Espanha, está a assistir à subida do populismo identitário, através do Chega e do Vox, e ao enfraquecimento do populismo socioeconómico. Uma regra que acompanha aquilo a tendência europeia.

P-A investigação que desenvolveu que dados novos traz para a compreensão deste fenómeno?
R- Esta investigação continuou o trabalho de desconstrução de vários mitos do populismo, designadamente  que se trata de uma ideologia e que existe um populismo bom, conotado com a esquerda, e um populismo mau, monopólio da direita. Mostrou, também, que o populismo se alimenta da quebra de confiança dos cidadãos nas instituições, mas que, uma vez no Poder, impõe um novo modelo de organização social no qual as novas instituições funcionam como megafones da voz do dono. Finalmente, a investigação permitiu concluir que o populismo está a condicionar, ainda que de forma desigual, a ação da União Europeia, mas que o funcionamento desta também é responsável pelo incremento do populismo.
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José Filipe Pinto
As Europas e os Novíssimos Príncipes. Os Escândalos Populistas
Sílabo  15,90€

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