José Dias Egipto: “Um testemunho íntimo e ao mesmo tempo o retrato de um Portugal amordaçado”

1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro “Visita Guiada ao Cantos daquela Casa”?
R-Escrevi sempre mais poesia que prosa, mas este livro nasceu de um imperativo duplo: uma denuncia da delapidação do património arquitetónico das nossas cidades e as memórias de uma casa na qual vivi os melhores anos da minha vida. É assim um parêntesis na minha obra, um testemunho íntimo e ao mesmo tempo o retrato de um Portugal amordaçado e em que as pessoas viviam com ritmos e com preocupações completamente diferentes de hoje em dia. Nesse aspeto torna-se um opúsculo didático para as novas gerações.

2-Este é um livro de memórias ao longo de duas décadas (anos 1950 a 1970): que recordações guarda desse tempo?
R-Recordações dos meus primeiros vinte anos da minha vida e da maneira como a juventude vivia e convivia. As memórias de um tempo de frugalidade na família e da classe média da sociedade, onde ainda não havia a febre do consumismo, nem do egoísmo reinante. Por outro lado, um tempo em que, como estudante liceal, estava a par do que acontecia no mundo pelas leituras que fazíamos, pelas discussões políticas que já tínhamos no 6º e 7ª ano do Liceu. Tinha acontecido o maio de 68 e, por incrível que pareça, ele chegou à juventude e a uma cidade pequena como Braga, de uma maneira instantânea. Memorias de jovens que liam muito, que praticamente não viam televisão e que discutiam assuntos considerados não próprios para a sua idade – sexo, liberdade, democracia e tudo que isso envolvia na participação cívica possível.

3-Ao ler o livro, percebemos que esta é uma casa muito especial na sua história pessoal: porquê?
R-A casa era grande, misteriosa pelos seus cantos e recantos e nela se passaram os episódios mais dolorosos da minha vida e os mais alegres também. Nela morreram pessoas que foram pilares afetivos fortíssimos, como a minha avó, o meu pai e a minha irmã que, com 26 anos, contraiu um cancro que a fez sofrer de tal modo que, a mim, naquela idade imatura, me fez adoecer em termos psicossomáticos. Fora destes momentos de sofrimento, foi dentro dela que nasci para a escrita, escrevendo os meus primeiros poemas, que descobri os valores civilizacionais, dos Direitos do Homem, que cresci para um combate contra todas as injustiças, bem marcadas, aliás, na sociedade desse tempo. Aquelas paredes, daqueles quartos e salas, estão cheias de recordações de episódios, que foram os meus alicerces para me construir como Homem e como cidadão consciente dos meus deveres e direitos. Tive bons mestres na verdade, mas também tive muitos companheiros que até hoje trago comigo como amigos e alguns como referências.
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José Dias Egipto
Viagem Guiada aos Cantos Daquela Casa
Editora

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