Jonuel Gonçalves | Franco Atiradores

1-«Franco Atiradores» pode ser considerada uma história
pessoal de Angola entre 1958 e 2017?
R- É mais que História pessoal. É a História vivida por uma corrente que se
renovou ao longo das gerações abrangidas neste período e, ao mesmo tempo,
continuidade em relação a gerações anteriores. A noção de independência ligada
a ideais democráticos e/ou republicanos vem desde o século XIX. O livro
pretende inserir essa corrente histórica – que viveu anos de chumbo grosso – no
conjunto da História recente de Angola e estudar a ação clandestina e informal
(fenómeno universal) tendo Angola como exemplo. Por isso referi – ainda que
brevemente – acontecimentos continentais e internacionais que acompanharam ou
até influíram no nosso processo e citei alguns outros autores ou teorias.
Escrever na primeira pessoa foi opção para o livro ter também perfil de conversa
com o leitor.

2- Da sua experiência vivida (e agora relatada), que conclusões consegue ter
com exactidão dos últimos 60 anos?
R- Angola avançou politicamente e culturalmente.  Superou o colonialismo, as tropas
estrangeiras saíram, as noções de partido único foram derrubadas (uso o plural
porque vinham de várias forças), há um bloco de bons debates intelectuais e de
criatividade a testemunharem existência da sociedade civil. Mas não avançamos
em termos sócio-económicos. Novos antagonismos de classe surgiram com geração
de desigualdades agravadas pela dependência económico-financeira do
extrativismo, ainda por cima sob peso excessivo de um único produto. Tudo isto
conduziu à corrupção, tanto na acumulação de capital como no dia a dia, estando
a fraca política de recursos humanos e as insuficiências institucionais a
favorecer este quadro. Recursos humanos e melhoria democrática das instituições
são os dois grandes desafios imediatos e urgentes.  Um Estado cria-se no longo prazo mas há
estímulos de curto prazo indispensáveis.
3- O seu envolvimento na vida política angolana permite-lhe
ter uma visão muito clara do país. Que futuro prevê para Angola? 
R- Tudo vai girar em torno dum ponto: reforço de instituições democráticas
porque delas vai depender a eliminação da corrupção sistémica, a valorização
educativa da sociedade e a busca da diversificação económica. Se a nova maioria
parlamentar e o novo Presidente tiverem essa visão, entraremos numa nova
transição. Transição para o desenvolvimento democrático, finalmente. Se não
acontecer e forem mantidos os desequilíbrios, Angola  passará por um periodo de forte agitação
social, até porque no momento a capacidade de intervenção financeira do Estado
e entidades bancárias está muito reduzida. 
No fundo, o espírito franco atirador pode contribuir de novo, seja entre
os governantes como na sociedade: direitos humanos como base de tudo, coragem e
capacidade de iniciativa, traçar metas prioritárias sem  perder o rumo e saber usar a conjuntura
internacional.
Acredito que relatar estas décadas , inclundo o momento
presente (alguns  chamam-lhe história
imediata) é uma contribuição de quem 
atravessou riscos sob conjunturas diversas.
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Jonuel Gonçalves
Franco-Atiradores. Clandestinidade e Informalidade nos Combates Democráticos em Angola (Abril de 1958-Abril de 2017)
Guerra & Paz   15,90€