João Teixeira Lopes: “Este livro nasce de uma inquietação quotidiana”
1-Qual a ideia que esteve na origem do seu novo livro Elas: Percursos «inesperados» de Jovens Mulheres das Classes Populares?
R-Este livro nasce de uma inquietação quotidiana. Todos os anos, na sala de aula, deparo-me com um grupo significativo de jovens mulheres, provenientes das classes populares, com resultados escolares muito positivos, o que contraria as tendências sociológicas. As jovens entrevistadas foram minhas estudantes no mestrado em Sociologia do ano letivo 2018/19. Tinham entre 21 e 22 anos. Pertenciam sociologicamente às classes populares, pois os seus progenitores, com raríssimas exceções, eram trabalhadores por conta de outrem do operariado industrial, do campesinato parcial ou dos serviços subalternos de execução, alguns emigrados, outros desempregados. Viviam nos subúrbios do Porto ou em territórios industrializados do Vale do Ave, do Tâmega e do Sousa. Todas tinham tido uma nota de licenciatura de todas elas fora igual ou superior a 14 valores e, no mestrado, as classificações estavam a ser ainda mais elevadas.
Quis saber mais sobre elas, a partir das suas biografias: da família, à escola, passando pelos amigos; das atitudes perante a política e a religião, passando pela cultura e o lazer; do mais íntimo e “pessoal” ao mais estrutural (desigualdades de classe e de género).
2-A sua «inquietação quotidiana» prende-se com a experiência de encontrar jovens mulheres das classes populares com “resultados escolares muito positivo»: o que lhe revelou esta pesquisa sobre o funcionamento do chamado elevador social no Portugal do século XXI?
R-Antes de mais, parece existir um efeito professor (há professores que fazem a diferença!), um efeito escola (há escolas que se organizam para prestarem um apoio acrescido aos jovens das classes populares) e um efeito, mais geral, do Estado-Providência. A proximidade, o afeto e a disponibilidade de certos professores surtiram efeito; a missão e a organização de algumas escolas forneceram um quadro de estabilidade à ação pedagógica e um suporte infraestrutural aos modos de estudar; o Estado social, finalmente, através de políticas públicas sucessivas, apetrechou salas e bibliotecas, alargou o apoio social escolar, fomentou atividades extracurriculares variadas.
Apesar de terem passado por obstáculos pesados, obtêm resultados muito satisfatórios ao longo de todo o percurso escolar, incluindo a Universidade. Contudo, isto, por si só, não lhes garante mobilidade social. Ainda é cedo para saber como se traduzirão estes ganhos no mercado de trabalho…
3-Que conclusões mais surpreenderam o sociólogo em função dos resultados da pesquisa relatada neste livro?
R-Uma grande transformação das famílias: mais pequenas, com valorização da criança e do jovem e, nos casos que estudei, com um grande investimento (apesar dos parcos recursos) na escola. Por outro lado, impressionou-me o nível de autonomia destas jovens mulheres, o questionamento de dogmas e normas atávicas, a sua vontade e capacidade de exprimorem os seus pontos de vista; o seu posicionamento progressista (face ao aborto,m à diversidade de orientações sexuais, à eutanásia; etc.) dentro do catolicisamo, vivido de maneira muito pessoal. Finalmente, demonstram uma grande consciência das desigualdades de género e essa reflexividade torna-as mais fortes para as tentarem superar.
__________
João Teixeira Lopes
Elas: Percursos «inesperados» de Jovens Mulheres das Classes Populares
Tinta-da-China 18,90€
João Teixeira Lopes na Novos Livros | Entrevistas