João Ricardo Lopes: “Dormir uma noite inteira e acordar com vontade de recomeçar a vida.”
João Ricardo Lopes acaba de receber o Prémio Nacional de Poesia daVila de Fânzeres 2022 com o livro Em Nome da Luz. Antes já tinha publicado livros de poesia, crónicas e contos. Parte da sua obra literária foi traduzida para castelhano, francês, inglês e servo-croata.
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O que é para si a felicidade absoluta?
A sensação de paz. Poder, por exemplo, dormir uma noite inteira e acordar com vontade de recomeçar a vida.
Qual considera ser o seu maior feito?
Não ter traído as minhas origens e os meus antepassados, pese as profundas mudanças do mundo, do tempo e de mim mesmo.
Qual a sua maior extravagância?
Alimentar a eterna ilusão de que a minha existência se deve a qualquer coisa mais e de que não foi concebida em vão.
Que palavra ou frase mais utiliza?
Talvez a palavra “silêncio”. Nos últimos anos, tornou-se não apenas um bordão, como sobretudo um desejo, um princípio, uma necessidade, uma divisa. Escrevo-a com frequência nos meus poemas e nos meus contos.
Qual o traço principal do seu carácter?
É difícil traçar o nosso próprio retrato. No entanto, reconheço ser uma pessoa lutadora e exigente.
O seu pior defeito?
A irritabilidade.
Qual a sua maior mágoa?
Não me ter permitido ser jornalista de viagens e ter insistido na docência.
Qual o seu maior sonho?
Conviver com uma geração mais culta, mais educada, mais consciente do dever da meritocracia e capaz de odiar, como eu, todas as formas de corrupção, de laxismo ou de medíocre serventia para com os fracos e ignorantes.
Qual o dia mais feliz da sua vida?
Neste momento, atravesso uma fase difícil. Recordar dias felizes obriga-me a recuar muitos anos. Fui e sou feliz quando percebo que, neste mundo tantas vezes desabrigado e hostil, há gente boa, disposta a acolher-nos e a proteger-nos, apesar de tudo. Recebi um abraço no hospital, em 2019, no dia do meu aniversário: esse gesto, de uma enfermeira, marcou-me profundamente. Foi um dia feliz.
Qual a sua máxima preferida?
A do Eclesiastes: «Tudo é vaidade e vento que passa».
Onde (e como) gostaria de viver?
Num lugar, onde o mar, os meus livros, as minhas árvores, a minha namorada e eu conseguíssemos cuidar das flores que amamos, beber café debaixo de uma pérgula, receber os amigos sem pressa, conversar longamente sobre viagens, contar histórias, recordar gente boa…
Qual a sua cor preferida?
Indubitavelmente o azul.
Qual a sua flor preferida?
Como Vincent van Gogh, amo os girassóis.
O animal que mais simpatia lhe merece?
Desde sempre, nutro uma admiração profunda pelos gatos. Considero-os incrivelmente autênticos, no que possuem de melhor e de pior.
Que compositores prefere?
Esta é uma daquelas respostas terríveis. Sei que vou dizer dois ou três nomes e lamentar vinte ou trinta que não direi. Johann Sebastian Bach é indefetível. Mas Thomas Newman e Jean-Michel Jarre também são. Considero-me eclético.
Pintores de eleição?
Admiro a luz, tanto a de Caravaggio, Vermeer ou Rembrandt, como a de van Gogh, Hammershøi ou Sorolla. A luz sobressalta-me e prende-me. Exatamente como sucede com as manhãs luminosas de outono.
Quais são os seus escritores favoritos?
Pela força, inteligência, humor, bondade e sabedoria das suas obras, sempre amei autores como Tchékov, Machado de Assis, Eça de Queirós, Tolstoi, Lorca, Borges, Halldór Laxness, García Márquez ou István Örkény. Mais uma vez, admito que a escolha é curta e provavelmente injusta.
Quais os poetas da sua eleição?
Homero. Bashô. Whitman. Czesław Miłosz. Sophia. Wisława Szymborska. Tomas Tranströmer. Herberto Helder. Tonino Guerra.
O que mais aprecia nos seus amigos?
A lealdade.
Quais são os seus heróis?
Aqueles que, tendo tudo para fracassar, souberam guindar-se. Todos aqueles que, tendo motivos para acumular rancor, souberam perdoar.
Quais são os seus heróis predilectos na ficção?
A personagem Warren Schmidt, notavelmente desempenhada por Jack Nicholson no filme As Confissões de Schmidt. Com ele aprendi que um homem pode fracassar em quase tudo e, ainda assim, não ser desprovido de bondade.
Qual a sua personagem histórica favorita?
Admiro as figuras de D. Dinis e de Isabel de Aragão. Opostos. Brilhantes ambos.
E qual é a sua personagem favorita na vida real?
Personagem não é, mas uma pessoa íntegra e inteira: Rui Nabeiro. Admiro este empresário, excecional em muitos aspetos. Portugal devia reconhecê-lo mais do que faz.
Que qualidade(s) mais aprecia num homem?
A capacidade de pôr em causa, de questionar, de admitir, de reconhecer. De perdoar. Até ao fim.
E numa mulher?
Exatamente o mesmo. Não diferencio homem e mulher.
Que dom da natureza gostaria de possuir?
O poder da regeneração. A natureza ensina mais do que sabemos ou podemos ver. Regenerar significa “optar por viver, a despeito de tudo”, algo de que todos deveríamos ser capazes.
Qual é para si a maior virtude?
Nada é mais ou melhor do que a bondade. Pessoalmente, nos últimos quatro anos, passei a admirá-la com amor total. Ninguém é verdadeiramente importante para mim, se não for bom.
Como gostaria de morrer?
Reconciliado comigo mesmo.
Se pudesse escolher como regressar, quem gostaria de ser?
Sinceramente, gostava de voltar como João Ricardo Lopes, para corrigir as asneiras que fiz e ousar o que não fiz.
Qual é o seu lema de vida?
“Inutilia truncat”. Repito muitas vezes esta máxima de Horácio. Lembra-me o verso de Eugénio de Andrade de que mais gosto: “Não colecciones dejectos o teu caminho és tu.”
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