João Pedro Mésseder: “O ponto mais elaborado desta linha de criação”
1- O que representa, no contexto da sua obra, o livro «Estação dos Líquidos – Elucidário»?
R- Representa o aprofundamento de uma reflexão sobre a linguagem, sobre a palavra: o seu significante, o seu significado, as suas hipóteses de sentido. Neste caso, essa reflexão está centrada no elemento líquido, daí o título. Elemento que é móvel e mudável, que pode assumir diferentes estados, que é muita vez especular. Em suma, um elemento com o qual a palavra tem alguma analogia e que costuma também estar simbolicamente associado ao tempo e à viagem. No livro, há poemas, em geral breves, que partem de diversos líquidos, com certa primazia conferida à água e aos seus ‘derivados’, chamemos-lhes assim para simplificar. Existe, portanto, aquilo a que poderemos chamar uma meditação metalinguística e metaliterária, que atravessa o livro (e também, como em qualquer obra, uma zona de intertextualidade: poemas que dialogam com textos doutros escritores, de artistas visuais e da música, em geral canónicos). Este tipo de inclinação, por assim dizer, começou na minha escrita nos finais dos anos 90 e tem a sua primeira expressão no livro que publiquei em 2000, nas Quasi Edições, «Ordem Alfabética». Desenvolve-se depois noutros, como «Elucidário de Youkali», de 2006, editado pela Caminho. Seja como for, parece-me que é em «Estação dos Líquidos» que atinjo o ponto mais elaborado desta linha de criação.
2- Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R- Vejamos: dá-se a circunstância, intencional, de quase todos os poemas se caracterizarem por possuir a estrutura duma curta definição de cariz poético. Organizados os poemas em função da ordem alfabética dos títulos, o livro apresenta a forma global de um elucidário, daí o subtítulo. A conceção gráfica do livro é feliz, pois explora, principalmente no miolo, esta característica. Tudo o que estou a dizer parece um pouco técnico, mas não é tanto assim, porque esta é apenas a base para uma reflexão sobre os sentidos das palavras e os seus usos; sobre experiências humanas, sociais e artísticas; e sobre outros aspetos que aqui seria difícil sumariar. É uma obra que, em termos de escrita, teve uma concretização bastante espontânea e natural em mim. Mas, por outro lado, o polimento das primeiras versões foi demorado e depurador e a organização final do livro obedeceu a todo um trabalho no sentido de lhe conferir uma unidade lógica, e de lhe dar um princípio, um meio e um fim.
3 -O que significou para si esta obra receber o Prémio Nacional de Poesia da Vila de Fânzeres/2021?
R- Para mim teve significado, por várias razões. Primeiro, a circunstância de o meu livro ser reconhecido por um júri cujos membros são escritores, editores ou académicos que muito respeito, pertencentes a instituições com pergaminhos: a Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, o Instituto Politécnico do Porto, a Elefante Editores. Depois, o facto de o prémio já ter vida longa de 30 anos (o que é notável) e de ter distinguido, no passado, poetas que leio e prezo como José Alberto Mar, José Carlos Barros, José Manuel Teixeira, José Ricardo Nunes, Maria Graciete Besse, Rui Manuel Amaral, Boaventura de Sousa Santos, Graça Pires e outros… Em terceiro lugar, atraiu-me que parte do prémio se concretizasse na publicação quase imediata da obra por uma editora com tradição na edição de poesia (é bom lembrar que continua a não ser fácil editar poesia), com a primeira distribuição a ser assegurada pela entidade promotora. E, finalmente, também se reveste de especial significado para mim o facto de o prémio ser iniciativa duma autarquia que tem feito um trabalho notável no campo da ação cultural – a União das Juntas de Freguesia de Fânzeres e de S. Pedro da Cova. E que o tem feito sempre na busca da promoção da leitura e das artes junto da população. E com reconhecida honestidade, seriedade e saber.
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João Pedro Mésseder
Estação dos Líquidos-Elucidário
Elefante Editores 15€
Prémio Nacional de Poesia da Vila de Fânzeres/2021