João Pedro Mésseder: “O 25 de Abril de 1974 representou um dos momentos mais altos da minha vida”
1-Escolheu dois breves livros para assinalar os 50 anos do 25 de Abril: um destinado aos mais jovens (Dos abris Pequenos ao Abril Grande). O que pretende dizer aos seus leitores mais novos?
R-Bem, não sei se “pretender dizer” foi mesmo o que me moveu em Dos abris Pequenos ao Abril Grande. Trata-se de uma recolha de poemas simples, com uma certa musicalidade, às vezes com um recorte quase ingénuo, mas sempre um pouco emotivo, que me foram acontecendo ao longo dos últimos anos e que fui coligindo e ordenando para um pequeno livro orientado para os mais novos. Li alguns destes poemas em escolas, em encontros para os quais era convidado, às vezes a pretexto do meu Romance do 25 de Abril. Quando o conjunto ganhou o corpo e o fio condutor necessários para constituir um livro, dei-o por concluído. Evoca o Portugal anterior à Revolução, figuras e protagonistas do antes e do pós-25 de Abril (Salazar e Caetano; a PIDE; os artistas resistentes Carlos Paredes, Zeca Afonso, Adriano; os soldados e capitães de Abril) e a festa revolucionária. Talvez no meu subconsciente tenha estado a preocupação em manter viva a memória de acontecimentos nodais da História recente, sem ignorar a dimensão emocional que os mesmos envolvem. E transmitir isso.
Ana Biscaia participou generosamente no livro com três desenhos evocativos de Abril e Rui Damasceno – ao leme da histórica Tipografia Damasceno, em Coimbra, e irmão do poeta João Damasceno – fez questão de compor integralmente o texto em tipos de chumbo móveis e de recorrer à prensa tradicional. O volumezinho lembra, assim, o processo pelo qual muitos livros ainda passavam em 1974. É um trabalho a várias mãos e com um toque artesanal que me agrada. É um gesto de liberdade, também.
Foi talvez esse mesmo gesto mas com outra orientação que me levou a propor à Poética Edições a publicação dum pequeno livro, entretanto saído, ainda em 2024. Reproduz na capa um quadro de Paul Klee e tem por título Que O Pássaro Amanheça. Os motivos que inspiram o livro são batidos (o pássaro e o mar), mas talvez não o sejam o essencial do que é dito e o modo de composição, em especial na primeira parte, com algo de aforismo poético e de greguería. Além disso, existe nos curtos textos (maioritariamente em prosa) uma dimensão metatextual e metapoética. Escrevi-o com grande liberdade em termos poéticos e por isso – embora o tema não tenha que ver directamente com Abril – não consigo dissociar nem esses pássaros nem o mar da ideia de liberdade, linha que, em suma, ressurge neste outro livro (para adultos) de que estou a falar.
2-O outro livro (Que em Abril) reúne 16 poemas: são pretextos para evocar a revolução e alguns dos seus actores?
R-Que em Abril é mais um livro de muito pequeno formato – com uma litografia de Ana Biscaia na capa – que recolhe poemas que fui escrevendo nos últimos anos sob o signo de Abril, alguns já em 2023 e 2024, solicitados estes para antologias e obras colectivas como 25/4 – Poemas sobre o 25 de Abril (Elefante Editores) e São Cravos, 50 Anos de Abril, 100 Poemas (Editora Labirinto). Surgem, sim, alguns actores históricos (Salgueiro Maia, o deputado constitucional e grande poeta Manuel Gusmão…). Mas também há uma meditação sobre o presente, que é tudo menos bom. Mais uma vez, e dirigidos a um público preferencial adulto, são, na sua maioria, poemas que me foram acontecendo. Sou daqueles que, como Maiakovski e Brecht, Neruda e Erich Fried, mas à minha pequena escala, não conseguem escrever à margem do tempo histórico-político. Estes poemas reflectem isso.
Já em 2025 publiquei Uma Casa Faz-se Por Dentro – Poemas Escolhidos (1998-2024) (Poética Edições) que atenua a presença na minha escrita dessa referencialidade sociopolítica, sem todavia a enjeitar por completo, pois é um aspecto a que não sei (nem desejo) fugir no que escrevo. Mas, em Uma Casa Faz-se por Dentro – Poemas Escolhidos (1998-2024), outras questões emergem: a infância, a memória, a ligação ao cinema, a linguagem, etc.
3-Como autor, o que representou para si o 25 de Abril de 1974?
R-Como indivíduo, o 25 de Abril de 1974 representou um dos momentos mais altos da minha vida. E se, por um lado, agradeço a Abril o ter vivido, por dentro, uma Revolução (uma Revolução com forte dimensão poética ela própria – basta pensar na explosão verbal da liberdade, nos cravos de Celeste Caeiro e na banda sonora, musical e poética, do PREC), como autor não podia ficar imune a esse vírus revolucionário. E por isso ele contaminou vários dos livros que tenho escrito: Romance do 25 de Abril (Editorial Caminho, 2007) – este para crianças e jovens – e Lembro-me (Lápis de Memórias, 2013), além de várias composições de Uma Pequena Luz Vermelha e Outros Poemas (Página a Página, 2021), entre outras.
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João Pedro Mésseder
Que em Abril (Edições Plenilúnio, 2024)
Dos abris Pequenos ao Abril Grande (Tipografia Damasceno, 2024)