João Nuno Azambuja | Os Provocadores de Naufrágios

1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro «Os Provocadores de Naufrágios»?
R- Devo dizer que o romance é baseado em factos verídicos, conta a história de um alemão, Klaus Kittel, que nasceu na cidade do Porto e combateu na Segunda Guerra Mundial, onde viveu aventuras impressionantes, plenas não só de emoção, pelo que lhe foi dado presenciar e viver, mas também cheias de um sofrimento por vezes insuportável. No contexto da minha obra representa quase uma obrigação, pois as memórias de Kittel, esquecidas numa gaveta da sua casa desabitada, após a sua morte e queda no esquecimento, relatam uma vida humana à deriva nos turbilhões que convulsionaram o século XX. O impacto que aquelas folhas avulsas tiveram em mim levaram-me imediatamente a romanceá-las, uma vez que Kittel foi um homem que recusou render-se à morte e à humilhação e que pôde regressar a casa, após anos de cativeiro em França, mercê de um engenhoso plano de fuga que engendrou. Caso contrário, nunca conheceríamos a história fascinante deste luso-alemão. «Os Provocadores de Naufrágios», além se ser um romance que me deu um gosto enorme escrever, é também um tributo a Klaus Kittel e àqueles que têm a coragem de resistir perante todas as adversidades da vida. É uma lição para quem esquece o passado e se lança de cabeça em novas políticas temerárias.
 
2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R- Como a ideia para este livro está exposta na descrição anterior, falo aqui do título: «Os Provocadores de Naufrágios». Porquê «Os Provocadores de Naufrágios»? A ideia surgiu-me quase por acaso, porque ainda não tinha título para o romance e já ele ia adiantado. Mas um dia, pegando eu nas «Confissões» de Santo Agostinho, apareceu-me aquele nome numa frase: os provocadores de naufrágios. Referia-se a um bando de desordeiros no tempo da sua juventude que achavam que molestar os outros, principalmente os mais pacíficos, lhes conferia estatuto superior entre os estudantes da escola que frequentavam, como se fossem doutores com o direito a maltratar os caloiros. O jovem Agostinho, imbuído daquele prazer perverso que caracteriza uma certa faceta da humanidade, gostava de fazer parte dos provocadores de naufrágios, até abrir os olhos e dizer a si mesmo: os homens são tão cegos que até sentem orgulho na sua cegueira. O século XX foi pródigo em provocadores, mas ainda hoje os há, e julgam-se no direito de molestar os outros, assim como também há quem se sinta bem na sua companhia, só que muitos abrem os olhos tarde de mais.
 
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Não paro de escrever porque não consigo, e quando vou dormir continuo a pensar no que vou acrescentar ao que escrevo. Felizmente, a minha vontade está muito forte, assim como a imaginação, e até tenho a sorte de encontrar pérolas como as confissões de Klaus Kittel. Aproveitando a pergunta, confidencio que neste momento estou a escrever a história de um cataclismo, um cataclismo imaginário, mas que em vez de forçar as pessoas a agirem para se salvar, elas continuam atoladas na mesquinhez de uma luta diária pela supremacia em relação ao próximo. É nietzschiano, porque sendo eu um grande admirador de Nietzsche (e até o considero o maior filósofo desde Aristóteles), apoiei-me, de uma certa forma, na sua visão do mundo e desta humanidade que muitas vezes se lança em aventuras mais absurdas do que a imaginação mais fecunda é capaz de congeminar.
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João Nuno Azambuja
Os Provocadores de Naufrágios
Guerra e Paz,  16€