João Marques Lopes | Biografia José Saramago
R- Em 2004 e 2005, escrevi biografias sobre Almeida Garrett, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa. As mesmas estavam integradas numa colecção de biografias acerca de “Grandes Protagonistas da História de Portugal, e, em conversas com o coordenador dessa colecção (António Simões do Paço), surgiu a hipótese de avançarmos também com uma a respeito de José Saramago. Desde “Ensaio Sobre a Cegueira”, que li logo quando foi lançado em 1995, comecei a fazer leituras anotadas das obras de Saramago e a recolher materiais sobre a obra e o homem, mas apenas na perspectiva de um leitor atento e da constituição de um arquivo pessoal. Em 2005 surgiu essa oportunidade e comecei a aprofundar mais o estudo da obra e da vida saramaguiana já com o fito de vir a publicar uma biografia.
2-Quer contar-nos dois pormenores menos conhecidos da vida de José Saramago que podemos encontrar na biografia que escreveu?
R- Dois pormenores raramente mencionados: um tem a ver com o facto de Saramago ter concebido o projecto de fazer uma biografia ficcionada do ditador António Oliveira Salazar (no conto “A cadeira” da colectânea “Objecto Quase”, o escritor já havia aproveitado metaforicamente o célebre caso da queda da cadeira, e pretenderia fazer algo mais amplo como essa biografia, mas abandonaria a ideia); outro tem a ver com a recusa de uma oferta milionária no valor de cem mil contos que uma produtora cinematográfica norte-americana lhe fez para adaptar ao cinema “Memorial do Convento”.
3-O que mais o surpreendeu na personalidade de José Saramago à medida ia escrevendo esta obra?
R- Foi a capacidade de resistência face a toda uma recepção pouco entusiasta das suas obras na crítica especializada e no público, pois quer o seu primeiro romance “Terra do Pecado” (1947), quer o seu regresso às letras com “Os Poemas Possíveis” (1966) e até mesmo o retorno à escrita romanesca com “Manual de Pintura e Caligrafia” (1977) passaram sem deixar rasto de maior e, nos dois primeiros casos, estavam claramente desfasados das tendências dominantes de vanguarda dos anos 40 e 60. Apesar disso, Saramago foi capaz de continuar a acreditar na sua capacidade de escrita e de contribuição para algo de novo na prosa portuguesa. Com “Levantado do Chão” e “Memorial do Convento”, quando o autor já tinha perto de sessenta anos, impõe-se, por fim. E dentro de um registo que o viria a consagrar como um “clássico contemporâneo”, ou seja, um autor bem acolhido na crítica literária e nos meios intelectuais, mas também dotado de sucesso no mercado. Algo que costuma acontecer raramente.
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João Marques Lopes
Biografia José Saramago
Guerra e Paz