João Carlos Melo: Nascemos Frágeis e Recebemos Ordens para Sermos Fortes

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «Nascemos Frágeis e Recebemos Ordens para Sermos Fortes»?
R- A principal ideia e motivação foi partilhar com os leitores uma série de reflexões sobre o narcisismo e a autoestima. Ao contrário da abordagem mais clássica, que vê no narcisismo um comportamento ou uma doença, a visão apresentada no livro considera-o uma dimensão do funcionamento mental presente em todas as pessoas. São numerosas e variadas as situações que ferem o nosso orgulho: críticas, reparos, humilhações e todas as situações que afetam a nossa autoestima e nos fazem sentir diminuídos, ridicularizados, envergonhados ou desvalorizados. Ora, é a forma como cada um se defende e reage a essas feridas que determina o seu tipo de funcionamento narcísico, mais saudável ou mais patológico. O foco incide sobretudo nos indivíduos e suas relações, mas o livro olha também para o povo português e para a dimensão mais vasta do ser humano enquanto espécie. Neste ponto é salientada a ideia de que, como espécie, nascemos indefesos, dependentes de cuidados e com necessidades especificamente humanas: sermos únicos, especiais, reconhecidos e ocupando um lugar privilegiado no coração das pessoas que nos são significativas. Estas necessidades são denominadas narcísicas e a sua suficiente satisfação contribui para o desenvolvimento de uma boa autoestima. E elas são tão profundas que, quando não suficientemente satisfeitas, determinam, ao longo da vida, comportamentos de busca incessante da sua satisfação. Os conceitos de narcisismo e a autoestima são, desse modo, articulados com aquilo que se pode considerar como fazendo parte da condição humana. São também abordados aspetos intrínsecos ao tema, como o orgulho, a vaidade, a inveja, a empatia, a humildade, o reconhecimento e o amor.
 
2-Na reflexão que desenvolveu, narcisismo e autoestima são duas faces da mesma moeda?
R- A relação que se estabelece entre o narcisismo e a autoestima é, a meu ver, a seguinte: o funcionamento narcísico consiste na ação de um conjunto de mecanismos que regulam a autoestima. Esses mecanismos são geralmente postos em ação de uma forma automática quando a autoestima é baixa e sempre que ela é afetada. Se a autoestima é boa e eles atuam de forma harmoniosa, o funcionamento narcísico revela-se saudável. Se a autoestima for baixa ou se ela sofrer ataques que a debilitem, os mecanismos que entram em ação para restabelecer o equilíbrio perdido são mais radicais e acentuados, levando a modos de funcionamento e comportamentos que entram já no campo da patologia. De uma forma simples, podemos considerar a autoestima como a apreciação que uma pessoa faz sobre o seu valor e o grau de satisfação que tem consigo própria. Elogios, aprovação, reconhecimento e apreciações positivas são exemplos de estímulos que elevam a autoestima. Pelo contrário, críticas, reparos, rejeições e atitudes de desvalorização fazem-na baixar e ferir. Uma pessoa com uma boa autoestima e um modo saudável de funcionamento narcísico é confiante, aceita-se como é, sente orgulho em si próprio e tem humildade para admitir as suas limitações e defeitos. Quando a autoestima é baixa ou é ferida, emergem mecanismos que determinam comportamentos e modos de funcionamento e relação com os outros de dois grandes tipos (com muitas variantes e graus). Num deles, as pessoas apresentam sentimentos de inferioridade, vergonha e um medo angustiante de serem expostas, ridicularizados e humilhadas. Procuram passar despercebidas e agradar aos outros, mesmo à custa da própria subjugação ou anulação. No outro tipo, os indivíduos são arrogantes, vaidosos e autocentrados. Precisam de brilhar e ser o centro das atenções, não suportando quando não o são. Nesses casos, reagem com frustração e raiva, diminuindo, desvalorizando e atacando os outros nos seus pontos fracos.
 
3-Como estamos nós, portugueses, a viver os complexos tempos actuais: com baixa autoestima ou com um olhar narcísico e optimista?
R- Costuma dizer-se que, como povo, somos “bipolares”: ora estamos eufóricos e nos consideramos os melhores, ora caímos em depressão e achamos que os outros é que são bons. Se me for permitido este exercício abusivo de extrapolar para um povo as características e modos de funcionamento mental próprias de indivíduos, o que digo é: não somos bipolares, mas sim narcísicos. Penso que, como povo, acreditamos e não acreditamos no nosso valor e nas nossas capacidades e qualidades. Queremos acreditar que somos os melhores, mas, ao mesmo tempo, não possuímos uma confiança convicta no nosso valor. Estamos convencidos de que somos bons, mas somos traídos por um profundo sentimento de inferioridade que trabalha nos subterrâneos, insidiosamente, e nos faz sentirmo-nos destroçados perante certos fracassos. Temos, em resumo, uma baixa autoestima, que se traduz ora em sentimentos de inferioridade em relação a outros países, ora em fantasias, geralmente secretas, de grandiosidade. Apesar desta ideia, acredito também que a nossa autoestima tem vindo a melhorar, facto que nos deve encher de orgulho. E acredito que, para além de muitos outros portugueses, o contributo do nosso atual Presidente da República, tem sido notável para esse resultado. Ao colocar-se ao nível dos cidadão anónimos, com um afeto fraterno e, ao mesmo tempo, parental, Marcelo Rebelo de Sousa faz cada um de nós sentir-se valorizado, importante e elevado ao nível em que o vemos situado.
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João Carlos Melo
Nascemos Frágeis e Recebemos Ordens para Sermos Fortes
Bertrand  15,50€