Joana Subtil: “Em termos individuais envelhecer é uma incógnita”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro “Os Outros de Alguém”?
R-Não é de hoje que acredito que a mensagem, o exemplo que trago deve ser visto, ouvido e lido. É fácil falar de teorias quando não arregaçamos as mangas, mas é difícil fazer o público acreditar numa coisa que ainda não aconteceu, em teorias quase cor de rosa sobre aquilo que deve ser um mundo capaz de respeitar e dignificar as idades mais velhas. Eu falo daquilo que faço, primeiro pus em prática para provar que vale a pena e é possível! Agora quero gritar ao mundo a importância de pequenos gestos, atenções  e atitudes. Porque faz tudo tanta diferença no trilhar do caminho. “Os Outros de Alguém” surge em sequência de uma visita de uma jornalista da SIC, Isabel Osório, ao lar onde trabalho. A visita aconteceu no sentido da gravação de uma reportagem onde seriam filmadas as nossas rotinas “familiares”. Ao fim de alguns dias de convivência expliquei à Isabel que gravo audios com aquilo que não me quero esquecer do meu dia a dia (porque é facil esquecer…), e ela sugeriu que passasse para escrita tudo o que gravava. Pareceu descabido na minha cabeça, não me sentia capaz, mas não demorou até fazer sentido, e ganhar forma. Na verdade foram 15 dias, a estava feito.

2-O envelhecimento da população europeia é um enorme problema e um enorme desafio: como podemos olhar para ele?
R-É mais do que um problema, é um desafio, para a própria sociedade, e para os governantes. E as problemáticas não se suportam só na sustentabilidade do país e da população, vai muito além do que isso. Porque quando não temos indivíduos capazes de lidar com o envelhecimento dos outros , não estão minimamente prontos para lidar com o seu próprio envelhecimento. E, no melhor dos cenários, na evolução natural da vida, vamos todos passar por isso. Em termos individuais envelhecer é uma incógnita, pois só sabe quem o sente e a forma como lida será consequência do caminho percorrido até então, e isto já por si só é complexo assustador. Portanto acho genuinamente que antes de qualquer outra preocupação, todo o ser humano tem que se capacitar que envelhecer não é uma escolha, e que temos vivido com uma capacidade altruísta e empática muito débil, o que define a forma como temos tratado os nossos mais velhos. No que se refere a questões governamentais temos um óbvio problema em mãos, é outro assunto preocupante, traz desafios com os quais o próprio governo não está capaz de lidar. A muito curto prazo o número de ativos não será suficiente para sustentar a população dependente e soluções como aumentar a idade da reforma tiram qualidade de vida e longevidade à população, já não falando de fatores como a promoção da saúde mental, a vida familiar, o bem estar físico e emocional, etc.

3-Há uma outra forma de olhar, pensar e ajudar a vida dos mais velhos?
R-Digo muitas vezes que uma coisa simples como ser empático e altruísta resolve mais de metade das situações que causam desconforto. É simples como “E se fosse comigo?!”, funciona, funciona mesmo. Por exemplo, se me imaginar com 80 anos, num lar (por exemplo) e não tiver o direito de poder escolher ficar no meu quarto ou na zona social. Ou ter que comer favas quando nem sequer gosto de favas ? Ter meninas a mandar no que faço, no que visto, quando me deito? De repente envelhecer torna-se ainda mais assustador e o facto de poder ficar incontinente e sem dentes parece até bastante aceitável ao lado de tudo o resto que me pode acontecer. Não sei exactamente em que momento somos vistos como incapazes, ou exactamente em que momento espaço-temporal os nossos filhos assumem que decidem o que podemos ou não fazer, quando os educamos, os ensinámos, lhes demos colo. Atenção que não falo de situações de demência…! Claro que compreendo que a preocupação toma proporções gigantes e é fácil perder o rumo nas acções, mas não pode acontecer. No dia em que a família, os amigos, os conhecidos, as relações dos nossos mais velhos, as respostas sociais, os parceiros, pararem para pensar, calçarem os sapatos do outro e gerirem melhor as suas próprias emoções,  a relação e o bem-estar dos nossos mais velhos vai melhorar a pique e aí alcançamos a plenitude da qualidade de vida naquilo que considero genuinamente importante.

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Joana Subtil
Os Outros de Alguém
Crisântemo  15€

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