Javier Marías: Límpida e criativa escrita
CRÓNICA
|agostinho sousa
Ler um livro de Javier Marías é sempre um prazer imenso e esta recolha de contos 1975 a 2005 não foi exceção. Na sua límpida e criativa escrita o insólito mistura-se nas situações mais vulgares.
Dessa leitura destaquemos alguns dos contos:
– De um encontro ocasional entre dois colegas que trabalham na mesma firma, um em Madrid e outro em Barcelona, ambos verificam que são demasiado idênticos no nome, nos aspetos físicos e comportamentais, e por isso alterarão cada um por si detalhes das suas personalidades, mas algo os irá manter idênticos.
– O enxotar de dois vagabundos, em frente de uma montra de valiosos livros de um alfarrabista, deixá-lo-ão arrependido por ter deixado escapar uma mais-valia de negócio que poderia ter aproveitado se tivesse pedido a um deles – que demonstrou cabalmente ser o autor de uma dessas preciosidades – um simples autógrafo.
– A serenidade transmitida por um homem à sua desconhecida companheira, jovem mãe divorciada, desempregada e desesperada, pouco antes de entrarem em ação, ela pela primeira vez, como atores num filme pornográfico, pela comparação com a ansiedade permanente do trabalho que ele fazia anteriormente: guarda-costas de uma jovem rica e com tendências suicidas intensas.
– E a mais louca história de um espanhol que, passados muitos anos, ainda vê a morte persegui-lo desde que foi o intérprete numa discussão entre um grupo de atores norte-americanos e uns bandidos locais mexicanos, num bar de má fama. Note-se que cada um dos grupos apenas compreendia a sua língua natal e que para os mexicanos os insultos traduzidos que escutaram tinham sido ditos pelo intérprete e não por Elvis Presley, enquanto ator de um filme rodado em Acapulco, pelo que o espanhol teria de sofrer as consequências com a própria vida, por ter tido tal ousadia.
Enfim, um livro recomendável!
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Javier Marías
Não Mais Amores
Alfaguara 23,50€
Espinho, 07/04/2021