Javier Marías e a história de Tomás Nevinson

CRÓNICA
| agostinho sousa

Depois do livro «Berta Isla» o autor retoma a personagem Tomás Nevinson, marido de Berta, e recria a sua mais recente missão enquanto membro dos Serviços Secretos Ingleses. Só que desta vez o seu chefe sugere-lhe algo diferente e mais complexo: encontrar uma mulher colaboradora da ETA, aparentemente afastada dessas lides, entre três suspeitas com vidas normais numa mesma cidade, com o objetivo de a abater.
Este será o mote para um livro, que não pode ser descrito para não quebrar o encanto do seu enredo, narrado através de uma escrita rica e absorvente, típica do autor, que prende nas mais de 600 páginas onde se cruzam ficção e realidades históricas relativamente recentes.
Deste romance, para além da densa trama em que as diversas personagens se movimentam, do brilhantismo e do detalhe com que é apresentado, destaca-se uma profunda reflexão sobre que limites podem fundamentar um assassinato premeditado, sintetizada numa pergunta recorrente:
– Tal tipo de crime poderá justificar-se prevendo uma consequente mais-valia para a humanidade?
O exemplo máximo apresentado é o de Hitler que poderia ter sido morto, segundo o autor, pelo menos, duas vezes antes de se ter tornado Fuhrer, por dois homens: primeiro, num relato ficcional e, segundo, por alguém que teve a oportunidade real de disparar contra esse ditador e não o fez.
Em paralelo, com outros rebates de consciência, há mais um impasse que irá perseguir Tomás Nevinson na sua missão, porque, apesar da sua profissão, a sua educação à antiga coíbe-o de matar uma mulher.
A abordagem apresentada do submundo do terrorismo, focado na história recente espanhola ou norte-irlandesa, ajuda a questionar verdades, por vezes, tomadas como valores absolutos e a salvaguardar posições mais radicais àquelas que a sociedade julga como inaceitáveis.
Por um acaso, o (belíssimo) livro anteriormente lido, “As velas ardem até ao fim” de Sándor Márai, tem um trecho que poderia servir de epígrafe a este grande “Tomás Nevinson”:
Mas, às vezes, os factos são apenas consequências deploráveis. Uma pessoa não peca com aquilo que faz, mas com a intenção, com a qual comete isto ou aquilo. A intenção é tudo. Os grandes sistemas jurídicos religiosos do passado, que consultara, sabem e proclamam isso. Uma pessoa pode cometer infidelidade, um acto infame, sim, até pior, pode matar e, todavia, manter-se puro por dentro. Um acto ainda não é equivalente à verdade. É sempre apenas uma consequência, e se um dia, uma pessoa desempenha o papel de juiz e quer julgar, não pode contentar-se com os factos do relatório da polícia, tem de averiguar aquilo que os juristas chamam motivo.
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Javier Marias
Tomás Nevinson
Alfaguara

Espinho, 01 de setembro de 2021