Javier Cercas: O passado acaba mesmo por explicar muita coisa n

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
É o primeiro livro que leio do Cercas. A personagem principal é um anti-herói pouco avançado nos anos com tendências vingativas e amor aos romances do século XIX: “Metade do livro põe-na o escritor, a outra metade és tu que a pões.”
Confesso que gostei mais da investigação criminal do que do desenvolvimento das personagens com recurso ao passado, nuns casos lamechas, em outros trágico. Mas o passado acaba mesmo por explicar muita coisa num país e região assolados por uma guerra sangrenta, corroída por ódios que resistem ao tempo.
Até no fim do mundo há crime, por vezes com uma brutalidade inaudita, mas há também histórias de amor imprevisíveis e bibliotecas pouco frequentadas “- Gostas de poesia? – Não muito – reconheceu Melchor, que quase não lera poesia. – Os poetas parecem-me romancistas preguiçosos./ Olga ficou pensativa. – É possível – disse. – Embora a mim todos os romancistas me pareçam poetas que escrevem demais.”
É um livro assombrado pelos “Miseráveis” de Victor Hugo, pela sombra de Jean Valjean e de Javert, com quem o anti-herói se identifica alternadamente, sempre numa luta interior entre a justiça cega da vingança e a outra convencional, com polícias e juizes e advogados. “A justiça absoluta pode ser a mais absoluta das injustiças.” E por vezes “os falsos maus são os verdadeiros bons” e os “falsos bons…são os verdadeiros maus.” E por vezes sabe-se lá se a maldade e a bondade não andam juntas, como duas faces da moeda que somos. Temos dias, temos dias.
Depois de o ter lido gostei de o ter lido, afinal andamos todos por aqui a odiar e a amar, mas, na maioria do tempo que nos consome, vivemos sós com os nossos pensamentos, e é bom que não nos deixemos levar pela má fé e pela ira. “Odiar não é muito inteligente, não achas?”
Acho.
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Javier Cercas
Terra Alta
Porto Editora 17,75€