Jaime Nogueira Pinto explica 2500 anos de contágios

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «Contágios»?
R-A ideia foi ao tomar consciência da Pandemia Covid 19, que seria interessante e até, atrevo-me a dizer, útil, em termos de público em geral, escrever um livro que contasse, dum modo sintético e inteligível, como a Humanidade tinha encarado, vivido, curado e superado as grandes epidemias do passado. Para além da ideia, houve a conjuntura de uma certa desocupação e solidão do primeiro confinamento de Março-Abril de 2020.

2-Neste tempo de pandemia, que lições poderemos aprender com as pestes do passado?
R-Talvez um ponto com alguma originalidade destes meus Contágios são as referências literárias – em obras de História e de Ficção – que os contemporâneos foram registando em relação às pestes do seu tempo ou do seu passado próximo: na Ilíada, na Bíblia, em Tucídides, nos Padres da Igreja do Oriente, em Boccaccio, Chaucer e Fernão Lopes; como em Montaigne, em Shakespeare, em Defoe, em Dickens, em Thomas Mann, em Virginia Woolf, em Camus, em Phillip Roth. Fazem sentido na medida em que grandes escritores e poetas são testemunhas chave do seu tempo, são mediadores do espírito da época. Podemos aprender, como sempre aprendemos com a História, visto que a natureza humana não muda (embora as sociedades mudem e isso se reflicta nos comportamentos dos seus integrantes). Podemos aprender o que se deve fazer e, sobretudo, o que não se deve fazer. Aprender a dominar o medo, aprender a prepararmo-nos para o pior, aprender a resistir e dominar os instintos. Os Governos, esses, têm ainda mais que aprender, até porque têm de saber prever para provar. Parece que não serviu de muito por cá, e praticamente em lado nenhum. Os meses de trégua, da Primavera-Verão do ano passado, podiam ter servido para alargar e equipar melhor a rede hospitalar, negociar com os privados o que fosse preciso negociar, estar preparado para a tal fatal segunda vaga. Parece que se fez pouco; ou, pelo menos, não se fez o necessário.

3-A resposta humana às pestes tem, certamente, evoluído ao longo dos tempos. No entanto, a sua pesquisa revelou algum traço comum nesse combate de 2500 anos?
R-No princípio é sempre a mesma coisa: há os negacionistas e os apocalípticos. Os negacionistas, por temperamento ou por interesse, negam ou menorizam o perigo. Os apocalípticos aumentam-no, falam em castigo de Deus ou, agora, da Natureza. As medidas também são muito parecidas, com as suas fases de aplicação: isolamento, confinamento, bodes expiatórios. Tudo isso vimos no Ocidente, desta vez como no passado. A maioria dos políticos no poder – e não só o Trump e o Bolsonaro – negou o grau de perigo e os efeitos. Depois entraram em pânico, passaram de negacionistas a apocalípticos e fecharam tudo. Depois passaram a optimistas e, no Verão, não fizeram nada, como se o mal tivesse ido embora de vez. Tudo isto se passou no passado: na Peste de Marselha, em 1720-1721, os comerciantes importantes e as autoridades locais, para não prejudicarem a imagem e os interesses da cidade, fizeram todo o possível para disfarçar e ocultar o que estava a acontecer. Com esse comportamento, a peste agravou-se e metade da população da cidade acabou por morrer naquele que foi o último grande surto de peste bubónica no Ocidente europeu. O caso do Porto, no final do século XIX, quando os “notáveis” da Cidade, para não prejudicarem o bom nome e reputação da capital do Norte, também negaram a ocorrência e até pressionaram e perseguiram Ricardo Jorge, foi semelhante. Outra característica comum é a divisão da Ciência e dos cientistas, como outrora a dos teólogos e sacerdotes. Os governos querem, geralmente, não só consultar os especialistas, como refugiar-se nos seus pareceres, caso alguma coisa corra mal. O problema é que os especialistas estão divididos e, muitas vezes, radicalmente divididos. Mas há algum progresso: no passado, em todas as epidemias do passado, entre o diagnóstico e a vacina ou a cura, decorreu muito tempo: 40 anos na Tuberculose entre Koch descobrir o bacilo e Fleming a penicilina; cerca de 15 anos para os antirretrovirais no tratamento da SIDA. Desta vez não chegou a um ano para se encontrarem as primeiras vacinas. Curiosamente, quando Donald Trump prometeu uma vacina para o fim do ano, muitos políticos, jornalistas, especialistas médicos troçaram e chamaram-lhe charlatão!
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Jaime Nogueira Pinto
Contágios. 2500 Anos de Pestes
Publicações Dom Quixote

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