J. L. Pires Laranjeira: a retoma de uma dupla face poética

1-Dois novos livros (Amor e Consequência e Erótica Mínina) de poesia quase de uma assentada: o que representam na sua obra?
R-Estes dois livrinhos, que estão à venda (muito baratos; por quantia simbólica), por exemplo, e para já, na UNICEPE (Porto), foram acarinhados pela Crescente Branco (Braga), graças ao meu grande e inestimável amigo Vergílio Alberto Vieira, que me impediu, inclusive, de fazer apenas um simples folheto, no caso do mais diminuto. Estão aí como resultado, não de uma “carreira nas Letras”, mas de uma escrita que sempre existiu, sem chegar a aparecer à superfície. Escrevi muito para a gaveta. E publiquei uns poucos livros de poesia, poucos. Mas publiquei dispersos, em jornais e revistas, em Portugal, Brasil, Espanha, etc. Bem, isso foi em tempos outros. A profissão de docente universitário (40 anos na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra) sobrepôs-se à atividade literária. Escrever custa muito, não é? E escrevi ensaios e outros textos, muitos, muitos.
2-Qual a ideia que esteve na origem destes livros?
R-Estes dois livrinhos saíram para retomar uma atividade que deveria ter tido mais continuidade e representam dois tipos de escrita. O Amor e Consequência, o tal livrinho diminuto, mas que, neste momento, considero uma boa representação do tipo de poesia que me dá grande prazer escrever, contém cinco poemas, quatro deles antigos, o primeiro com mais de 50 anos, que saiu em antologias e em jornais e se mantém inteiro e justo, uma espécie de emblema. Queria muito homenagear os amigos e familiares. Quis muito que outros gostassem. Escrever é sair de nós. Os outros três poemas, seguintes, são de épocas diferentes, glosando o amor espiritual e carnal, inclusive o amor/amizade pelos amigos. Um deles, “Partir”, foi musicado pela amiga Vanessa Pinheiro, cantora e música brasileira, e pode-se encontrar no Youtube, cantado em duo, recentemente. O quinto e último, “Buraco negro”, escrito durante a atual pandemia, em maio-junho, creio bem que conseguiu captar a atmosfera que se viveu e ainda vive, em tom dramático, existencial, mas sem referir, uma única vez, o facto mundial. Creio que sortiu certos efeitos em quem o leu, porque queria apenas escrever algo para que os amigos e conhecidos que passavam um período crítico sentissem nas palavras o que eles próprios talvez sentiam, assim pensava. Enviado por mail para umas dezenas de amigos, intelectuais e escritores, alguns interessaram-se tanto que o poema acabou por sair no jornal AS ARTES ENTRE AS LETRAS (do Porto), num livro coletivo editado pela Aquarela Brasileira, de Wagner Merije, e está previsto sair numa antologia editada pelo PEN CLUBE de Portugal, entre textos de autores de mais de 40 países, e ainda num outro livro coletivo a editar pela UCCLA (Lisboa). O mais interessante é que foi um poema começado com a intenção de ser para homenagear uma aniversariante e saiu esse texto pesado, elegíaco até, dramático, pesaroso, mas cheio de avidez de vida. O livrinho contém apenas uma mão de poemas, dos muitos que escrevi, sem publicar todos, e que podem ser lidos em voz alta em público, vivendo bastante do uso da repetição obsessiva de palavras e trocadilhos, mas articulando dialeticamente sensações, ideias, dores, sobressaltos, vivências (do fazedor e de leitores) universais. O livrinho Erótica Mínima, escrito na viragem do século, não obteve resposta de uma editora consagrada, já esteve, entretanto, para ser publicado por outra, mas a oportunidade passou, mas sai agora e corresponde a um desejo antigo de que seja lido. São 40 hai-kus (lembro: com três versos ou frases de cinco-sete-cinco sílabas) de um erotismo subtil, subentendido, mas que, por vezes, possibilita outras interpretações, dependendo do/a leitor/a. Estes hai-kus oscilam entre a poesia e o aforismo: aforismos poéticos; poesia aforística; talvez filosóficos. São de uma época em que escrevi cerca de 500, sobre muitas temáticas. 120 hai-kus e outros textos saíram num livro sob um heterónimo feminino, e mais não digo, tanto no Brasil como em Portugal. Com heterónimo feminino e uma biografia falsa, foi enviado para uma editora brasileira que eu pesquisei num catálogo, que aceitou de imediato. Entretanto, perdi 300 hai-kus manuscritos num caderno, quando viajava com um casal amigo no Peru, esquecendo-o num táxi. Tentei, por muitos meios, encontrar o caderno em Lima, mas não consegui. Ainda tenho mais para publicar. Ambos os livrinhos, agora que me jubilei/aposentei, representam uma espécie de retoma de uma dupla face poética: a mais estridente, para ler em voz alta, e alguns dos poemas foram lidos em público várias vezes e um deles cantado; a mais sintética e lapidar, dos hai-kus/aforismos, que aconteceu numa época de grande crise pessoal e ajudaram a superar esse tempo, enquanto me obrigavam a condensar emoções e pensamentos numa forma restritíssima, pré-estabelecida, tal como o Vergílio Alberto Vieira fez com os sonetos. Ora o Vergílio tem ajudado a essa recuperação de uma atividade que sempre existiu, quando existiram crises pessoais, e não só. Trata-se de uma retoma.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Neste momento, tento escrever poemas enfeitiçados, mas não sei se consigo, e, claro, artigos/ensaios e prefácios. Não posso deixar de responder a convites tão honrosos. Mas, no próximo ano, e na Crescente Branco, sairá, se as coisas correrem bem (as mundiais e as nacionais, mais as pessoais), uma recolha mais ampla e consistente. Não sei o que escreverei daqui em diante. Nunca sei.
Agradeço muito esta oportunidade de me expressar sobre o facto cultural maior da minha vida: escrever. Faço-o há 54 anos, dispersamente, como ela, a vida. Não quero, nem posso, fazer uma epopeia!
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J. L. Pires Laranjeira
Amor e Consequência
Erótica Mínima
Editora Crescente Branco