Irene Vallejo: Amor pelos clássicos e gratidão pelos livros

1. Qual é a ideia que esteve na origem deste livro “O Infinito num Junco”?
R-Quando comecei a escrever, imaginei um ensaio com rosto humano, construído em anos de pesquisa, mas tingido de empolgação e entusiasmo, sem amarras académicas. Queria homenagear duas paixões muito íntimas: o amor pelos clássicos e a gratidão pelos livros. Queria contar a história dessas arcas do tesouro mágico que acumulamos nas nossas estantes como uma sucessão de viagens, perigos, invenções, incêndios, rebeliões, cercos, traições e lealdades. Acho que se tratou de um livro acrobático, na fronteira dos géneros literários usuais, um ensaio de aventura –como definiu o escritor Luis Landero. Em suma, este trabalho é o resultado de uma longas investigações, anos de intenso trabalho e pesquisa, mas minha intenção era que ele cativasse o leitor pela tensão narrativa, pela linguagem poética e pelo puro prazer da leitura. Recuperei aquela velha máxima que nos convida a aliar conhecimento e prazer. O Infinito num Junco reivindica o prazer como veículo de aprendizagem.

2. A sua pesquisa levou a novas conclusões sobre a história do livro?
R-Em vez disso, este ensaio peculiar e hedonista pretende ser uma longa jornada, uma visão panorâmica da história, uma síntese das origens do livro no que se refere aos debates atuais: educação e progresso, democracia e direitos, leitura e censura. Pretendo fazer a divulgação nos moldes de Oliver Sacks e Carl Sagan na ciência ou Mary Beard na história antiga. Acima de tudo, tenho procurado uma forma diferente de relatar o nosso passado: ágil, literário, não sem humor e nem suspense. Talvez as contribuições mais inovadoras sejam dois pontos de vista que sempre perdi na maioria das pesquisas sobre o livro: a contribuição intelectual das mulheres e a reivindicação de personagens anónimos. Em O infinito num Junco, junto com Alexandre o Grande e Cleópatra, descobrimos uma paisagem fascinante de copistas, bibliotecárias, filósofas, escravas, inventoras cujos nomes foram esquecidos, viajantes ou professores. Todos eles são os protagonistas coletivos dessa aventura milenar, da nossa luta incessante contra o esquecimento e a destruição.

3. Como você explica que o livro em papel continua a resistir mesmo depois de vários anúncios do triunfo dos e-books e outros formatos digitais?
R-Em princípio, acho um erro apresentar os livros eletrónicos como inimigos do livro tradicional. Bem-vindo às novas possibilidades tecnológicas que enriquecem nossas práticas de leitura. Em geral, temos a tendência de opor o velho ao novo e imaginar extinções dramáticas. Nada que gostamos mais do que um bom apocalipse. Mas, assim como a fotografia não acabou com a pintura, nem o cinema com o teatro ou a televisão com a rádio, acho mais sensato pensar em convivência, não em competição de formatos. E gosto de enfatizar que os livros tradicionais inspiraram alguns dos grandes conceitos que identificamos com os avanços da revolução digital, como o computador pessoal. Acho que o livro de papel resiste por sua dimensão sensorial e sensual. São objectos que tocamos, acariciamos, ouvimos, olhamos. Neles, a leitura torna-se o encontro de dois corpos. Os ecrãs, que oferecem tantas vantagens pragmáticas, não nos imergem nessa experiência estética. Além disso, diversos estudos universitários confirmam que assimilamos mais informações – e mais profundamente – ao ler em papel do que em formatos digitais. Depois de décadas prevendo o desaparecimento dos livros tradicionais e o declínio da leitura, a pandemia mostrou que esses tesouros de papel frágeis possuem saúde de ferro. Nossos antigos companheiros de viagem conservam seu encanto ancestral: ainda hoje continuam a nos confortar, resgatar e socorrer.

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Irene Vallejo
O Infinito num Junco
Bertrand  19,90€

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