Intervenções de Houellebecq

CRÓNICA
|Rui Miguel Rocha

Tenho de confessar que nunca li nada de Houellebecq. Conheço os seus romances, a sua atitude polémica, mas nunca os li. Folheei este “Intervenções” e optei por ler tudo. E logo no início, a arte contemporânea “o transeunte normal parará diante das peças apresentadas, nem que seja para fazer pouco delas. A sua atitude oscilará entre o divertimento irónico e o puro sarcasmo; em todo o caso, será sensível a uma certa dimensão de irrisão; a própria insignificância do que está a contemplar representará para ele uma tranquilizadora garantia de inocuidade; é certo que esteve ali a perder tempo, mas ao menos de uma forma não propriamente desagradável.”
Mas também a arquitectura contemporânea que “é uma arquitectura funcional; as questões estéticas que lhe poderiam dizer respeito foram, aliás, desde há muito, erradicadas pela fórmula: ‘O que é funcional é forçosamente belo.’ Um pressuposto surpreendente, que o espectáculo da natureza está sempre a contradizer, incitando-nos, pelo contrário, a ver a beleza como uma espécie de vingança contra a razão”.
Trata-se de um escritor que está sempre contra a “dura lei do consenso” e a “indefinida pulsação do transitório”.
E a forma de lutarmos contra o estado “informativo-publicitário” é “dar um passo ao lado”, “apagar o rádio, desligar a televisão; decidir não comprar mais nada”, “basta, literalmente, ficarmos imóveis durante alguns segundos.”
Mesmo quando confrontado com frases passadas, responde de pronto “não me preocupo demasiado com questões de coerência; parece-me que isso se resolve por si”.
Devemos combater o suicídio “devemos fazer de modo a que a felicidade de um outro ser dependa da nossa existência; podemos, por exemplo, tentar criar uma criança pequena, ou, se isso não for possível, comprar um caniche”.
Mas também a poesia “enquanto estivermos na poesia, estaremos na verdade.” Isto contra toda a espécie de egoísmo: “A consequência lógica do individualismo é o assassínio e a desgraça”. Até porque “a publicidade e a economia em geral assentam no desejo, e não na sua satisfação.”
E uma negação do presente ou respeito pelo passado, ou as duas ao mesmo tempo “Pergunto-me se terá havido um verdadeiro progresso desde o tempo da vida nas cavernas”.
Abomina a “exigência de normalidade” mas reitera que “o respeito tornou-se obrigatório, mesmo quando estão em causa as culturas mais imorais e as mais imbecis”.
Mas também na política e ao que é conotado: “aquilo é que é suposto chamar-se um conservador (monárquico sob a monarquia, estalinista no tempo de Estaline, etc.)”.
Em relação à censura que ainda existe “a mecânica da proibição nunca se detém”. E ao ter de carregar as suas culpas: “mesmo nas piores passagens da Bíblia, a maldição é limitada a sete gerações”.
Mas o mais importante está aqui: “as sociedades animais e humanas desenvolvem diferentes sistemas de diferenciação hierárquica, que se podem basear no nascimento (sistema aristocrático), na fortuna, na beleza, não força física, na inteligência, no talento… Todos esses sistemas me parecem, de resto, igualmente desprezíveis; recuso-os; a única forma de superioridade que reconheço é a bondade”.
E mais: “acredito no amor, é única coisa válida que possuímos.”
Vou ler um romance seu, Michel.
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Michel Houellebecq
Intervenções
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