Holocausto: uma visão completa em forma de manual

A obra Holocausto, da autoria da historiadora Irene Flunser Pimentel, foi distinguida pela Academia Portuguesa de História (APH) com o Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Europa (2021).
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P-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro “Holocausto”?
R-Fui-me apercebendo de que, apesar de haver muitos livros, de carácter historiográfico, testemunhal, memorial e literário sobre o Holocausto, subsistiam muitas confusões sobre o tema. Há confusão, por exemplo, entre o que foi um campo de concentração, um campo de trabalhos forçados para judeus e um centro de administração da morte (só para matar judeus e ciganos). Por outro lado, um acontecimento tão terrível e complexo não se sujeita a uma única regra e há que atender à cronologia. O processo até ao Holocausto foi marcado por etapas, desde as discriminações anti-semitas, logo em 1933, ao genocídio de todos os judeus europeus, iniciado na sequência da invasão da União Soviética, no último trimestre de 1941.

P-O Holocausto tem sido objecto de muitos estudos. Este seu novo livro que abordagem inovadora pretende fazer?
R-Pretendi redigir o livro como um manual, dando primeiros os diversos nomes do que hoje se entende por Holocausto, caracterizando as vítimas, os perpetradores e os espectadores do genocídio. Depois fiz um balanço do estado da questão, apresentando diversas interpretações, a cronologia dos eventos e a caracterização do que foi o Holocausto. Numa segunda parte, abordei a forma como Salazar reagiu quer aos refugiados, que fugiam ao nazismo, quer ao próprio Holocausto, quando teve a oportunidade, dada pelos nazis – muito pouco aproveitada – de “repatriar” judeus de ascendência ou documentação portuguesa que se encontravam nos países ocupados pela Alemanha nazi

P-A posição de Salazar e do Estado Novo sobre a Alemanha nazi parece ter estado sempre envolta numa certa e forte ambiguidade: a sua pesquisa que conclusões lhe permitiu tirar sobre isso?
R-Sim, a posição de Salazar durante a neutralidade portuguesa, declarada logo em 1 de Setembro de 1939, foi muito complexa e até contraditória. A neutralidade portuguesa, que servia aos dois lados beligerantes, britânicos e depois anglo-americanos, e aos alemães, começou por ser “geométrica” embora mais favorável à Alemanha nazi, com cujo regime o Estado Novo tinha afinidades (sobretudo partilhando o anticomunismo). A Alemanha importou, até 1944, mercadorias de Portugal e das suas colónias, entre as quais o volfrâmio. A partir de 1943 – quando se começou a perceber que a Alemanha poderia ser derrotada, a atitude do Estado Novo, que se queria manter no pós-guerra, passou a ser mais “colaborante com os Aliados ocidentais.

P-Como era essa ambiguidade perceptível pelos portugueses na época?
R-Como se sabe, havia muito analfabetismo e iliteracia em Portugal e o regime ditatorial contou com um grande instrumento que foi a Censura da imprensa. Por isso, mesmo os que liam jornais em português não estavam informados de tudo o que se passava. A minoritária oposição ao regime, entre os quais se incluíram os comunistas, ficaram inicialmente confusos com o pacto germano-soviético de 1939, mas depois da invasão da URSS, passaram a estar claramente do lado dos aliados ocidentais e da URSS, alguns. O grosso da população – penso eu – era aliadófila, assim como parte do regime foi anglófilo e outra parte germanófila. A propaganda dos dois lados beligerantes também foi muito activa em Portugal, a par da espionagem.

P-Durante a segunda Grande Guerra, Portugal acolheu muitos e muitos refugiados: como foi possível conciliar todas essas dimensões num país a viver sob uma ditadura aparentemente mais próxima da Alemanha nazi?
R-Como todos os países europeus, também Portugal fechou as suas fronteiras a refugiados, sobretudo a partir de 1938 e 1939. Como se sabe, o cônsul em Bordeaux, Aristides de Sousa Mendes desobedeceu às ordens muito restritivasdda circular 14 do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) – o ministro era o próprio Salazar – e concedeu vistos a todos os que o pedissem. Por isso no verão de 1940 chegaram muitos refugiados a Portugal, com ou sem vistos de trânsito e de destino definitivo. Salazar e a PVDE tudo fizeram para evitar essa “inundação” e o país nunca deixou de ser um refúgio transitório, onde, com excepções, os refugiados ficaram pouco tempo, , apenas até obterem um visto de país de destino e uma passagem num navio ou avião para partirem de Portugal.

P-Portugal como país de acolhimento, ainda que transitório, de judeus serviu de alguma forma como uma tábua de salvação para muitas vidas: Aristides de Sousa Mendes foi um caso isolado ou representa uma vontade mais ampla e activa de diplomatas a resistirem às ordens de Salazar e do regime?
R-Já respondi de certa forma a esta pergunta, na anterior, mas, sim, por várias razões – a neutralidade portuguesa, a posição estratégica no Atlântico, a ausência de anti-semitismo na prática do regime -, alguns milhares de refugiados (entre 50 e 80 mil) passaram brevemente por Portugal durante a II Guerra Mundial e assim se salvaram. Além de Aristides de Sousa Mendes, cuja actuação foi a mais radical, possibilitando o salvamento de muitos, contra as ordens de Salazar e sendo punido por isso, houve também outros diplomatas portugueses que intercederam junto do MNE e de Salazar para que recebessem vistos, por vezes omitindo que os refugiados eram judeus.
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Irene Flunser Pimentel
Holocausto
Bertrand  19,90€

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