Hoje há Fialho (Uma vez não são vezes, mas cuidado com a dieta)
Diz-se “o Fialho” e está tudo dito. É restaurante, é em Évora, e são três irmãos. Mas a casa é também um fenómeno de envergadura nacional, e nunca precisou de estrelas Michelin ou outras. A fama passou de boca em boca, mesmo se lugares diversos de bem comer foram assentando praça, a toda a volta da Travessa dos Mascarenhas, onde o patriarca da família arrancou com uma taberna.
É verdade, tudo começou da forma mais despretensiosa, mesmo sendo Manuel Fialho (um dos três filhos herdou-lhe o nome) homem tirocinado na indústria hoteleira, logo aos dez anos como mandarete num bar/restaurante de um clube, e depois, a pulso, com um intervalo na indústria corticeira, o salto para os “estoris”, que arrancavam para o sonho de grande estância política.
O regresso a Évora, a cidade natal, dá-se já com aprendizagem feita no serviço de mesa, e casamento consumado com uma conterrânea, e mesmo um filho nascido, Amor da Ressurreição de seu nome, e que ainda por lá garante a pureza da máquina restaurativa. Bem relacionado com as “forças vivas” locais, cedo chega a maitre de um hotel que em meados da década de 30 do século passado era inaugurado em Évora.
Estava lançada uma carreira de empregado que alentava a ambição empresarial. Uma passagem pelo café Arcada, um moderno café inaugurado em 1942, era o último passo nesse caminho que o levou às instalações actuais, bem perto do local onde nasceu, e a taberna era o estádio possível para uma condição económico-financeira modesta.
A história deste homem, e do que faria, ano após ano, década após década, está, como se percebe, intimamente ligada à da cidade e da gastronomia alentejana, e a um estilo próprio. O apuro do gosto dos petiscos servidos na taberna, revelado pelo historiador e consabido de quem teve o privilégio de passar por aqueles balcões, foi o segredo, e trave mestra do êxito. A clientela, operários de empresas sediadas bem perto, mas também quem conhecia Fialho das anteriores andanças, justificou a aposta.
Claro que a iniciativa do restaurador não se ficou por aqui. Cedo chegou o tempo dos frangos grelhados que impulsionou o negócio, ou dos mariscos e do peixe fresco comprado directamente em Lisboa ou Setúbal. E a cerveja de tiragem a preceito… O prestígio e a qualidade cresciam na proporção desses sopros inovadores. E já nos anos 50 o restaurante/“cervejaria” era reconhecido mesmo por quem não tinha posses para a acostagem no balcão.
Seguiram-se os filhos de Manuel Fialho, o que lhe herdou o nome, mais o referido Amor, e Gabriel. Lá continuam, ao balcão ou não, acompanhando e garantindo o selo da casa. E já Fialhos mais novos avançam para acompanhar Évora na demanda dos novos tempos.
O livro inclui várias receitas apreciadas de petiscos e pratos que o restaurante continua a apresentar, muitas das vezes sazonalmente. Um espaço indispensável, mas aparentemente excessivo (embora seja moda gráfica). Um aspecto é preciso ressalvar: muito do que é elencado obedece a um receituário, mas não se admire quem não chegar aos paladares que retém nas papilas e na memória olfactiva. E, ainda, igualmente importante, os produtos. É verdade, eles são criteriosamente seleccionados para não deslustrarem o que os anos e os saberes (e sabores) dos cozinheiros ilustraram.
E há o prefácio, pela mão de Henrique Granadeiro, um alentejano que vingou por outros caminhos, e medrou física e culturalmente na cidade. Conhece-a, portanto, e junta fios vários desse cenário de uma cidade fechada sobre si mesmo, encantada e encantadora, que se atrevia às modernices do século passado.
Pudera!, dir-se-á. Os latifundiários, por exemplo, eram homens que de Lisboa tinham um conhecimento profundo, sempre renovado, muitos deles com casa na capital. E, vá lá, alguns aplicavam parte do capital em apostas locais, muito ao arrepio do que se vê hoje. Por lá e por todo o lado.
O prefácio ajuda a juntar as peças, a perceber como se jogavam as forças, vivas ou não, o ritmo da cidade, as ambições das gentes, e os limites, pois claro. É impossível esquecer a mão pesada da política na anestesia geral que continha todo o Alentejo (todo o país, sim!), mas particularmente a região.
Em resumo, estamos perante um livro que explica o êxito e prestígio de um restaurante conhecido, mas vai mais longe, enquadrando-o no meio e nas circunstâncias que o justificaram e justificam. Vale a pena. E até quem domina o inglês (a edição é bilingue) tem aqui garantido o acesso a esta história de sucesso e bom gosto.
__________
Alberto Franco
Fialho – Gastronomia alentejana
althum.com, 44€
É verdade, tudo começou da forma mais despretensiosa, mesmo sendo Manuel Fialho (um dos três filhos herdou-lhe o nome) homem tirocinado na indústria hoteleira, logo aos dez anos como mandarete num bar/restaurante de um clube, e depois, a pulso, com um intervalo na indústria corticeira, o salto para os “estoris”, que arrancavam para o sonho de grande estância política.
O regresso a Évora, a cidade natal, dá-se já com aprendizagem feita no serviço de mesa, e casamento consumado com uma conterrânea, e mesmo um filho nascido, Amor da Ressurreição de seu nome, e que ainda por lá garante a pureza da máquina restaurativa. Bem relacionado com as “forças vivas” locais, cedo chega a maitre de um hotel que em meados da década de 30 do século passado era inaugurado em Évora.
Estava lançada uma carreira de empregado que alentava a ambição empresarial. Uma passagem pelo café Arcada, um moderno café inaugurado em 1942, era o último passo nesse caminho que o levou às instalações actuais, bem perto do local onde nasceu, e a taberna era o estádio possível para uma condição económico-financeira modesta.
A história deste homem, e do que faria, ano após ano, década após década, está, como se percebe, intimamente ligada à da cidade e da gastronomia alentejana, e a um estilo próprio. O apuro do gosto dos petiscos servidos na taberna, revelado pelo historiador e consabido de quem teve o privilégio de passar por aqueles balcões, foi o segredo, e trave mestra do êxito. A clientela, operários de empresas sediadas bem perto, mas também quem conhecia Fialho das anteriores andanças, justificou a aposta.
Claro que a iniciativa do restaurador não se ficou por aqui. Cedo chegou o tempo dos frangos grelhados que impulsionou o negócio, ou dos mariscos e do peixe fresco comprado directamente em Lisboa ou Setúbal. E a cerveja de tiragem a preceito… O prestígio e a qualidade cresciam na proporção desses sopros inovadores. E já nos anos 50 o restaurante/“cervejaria” era reconhecido mesmo por quem não tinha posses para a acostagem no balcão.
Seguiram-se os filhos de Manuel Fialho, o que lhe herdou o nome, mais o referido Amor, e Gabriel. Lá continuam, ao balcão ou não, acompanhando e garantindo o selo da casa. E já Fialhos mais novos avançam para acompanhar Évora na demanda dos novos tempos.
O livro inclui várias receitas apreciadas de petiscos e pratos que o restaurante continua a apresentar, muitas das vezes sazonalmente. Um espaço indispensável, mas aparentemente excessivo (embora seja moda gráfica). Um aspecto é preciso ressalvar: muito do que é elencado obedece a um receituário, mas não se admire quem não chegar aos paladares que retém nas papilas e na memória olfactiva. E, ainda, igualmente importante, os produtos. É verdade, eles são criteriosamente seleccionados para não deslustrarem o que os anos e os saberes (e sabores) dos cozinheiros ilustraram.
E há o prefácio, pela mão de Henrique Granadeiro, um alentejano que vingou por outros caminhos, e medrou física e culturalmente na cidade. Conhece-a, portanto, e junta fios vários desse cenário de uma cidade fechada sobre si mesmo, encantada e encantadora, que se atrevia às modernices do século passado.
Pudera!, dir-se-á. Os latifundiários, por exemplo, eram homens que de Lisboa tinham um conhecimento profundo, sempre renovado, muitos deles com casa na capital. E, vá lá, alguns aplicavam parte do capital em apostas locais, muito ao arrepio do que se vê hoje. Por lá e por todo o lado.
O prefácio ajuda a juntar as peças, a perceber como se jogavam as forças, vivas ou não, o ritmo da cidade, as ambições das gentes, e os limites, pois claro. É impossível esquecer a mão pesada da política na anestesia geral que continha todo o Alentejo (todo o país, sim!), mas particularmente a região.
Em resumo, estamos perante um livro que explica o êxito e prestígio de um restaurante conhecido, mas vai mais longe, enquadrando-o no meio e nas circunstâncias que o justificaram e justificam. Vale a pena. E até quem domina o inglês (a edição é bilingue) tem aqui garantido o acesso a esta história de sucesso e bom gosto.
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Alberto Franco
Fialho – Gastronomia alentejana
althum.com, 44€