José Eduardo Franco: “Uma obra pioneira”
1-Qual a ideia que esteve na origem deste vosso livro «História Global de Portugal»?
R- A história global é uma tendência historiográfica que despontou há 30 anos. Começou com a world history, adquiriu depois uma identidade conceptual, distinta da sua congénere e anterior, nos anos 70 com o conceito de global history, conquistando depois um lugar institucional com o surgimento, em 2006, do “Journal of Global History”. Citando um recente livro do historiador alemão Sebastian Conrad, é “uma forma de análise histórica na qual os fenómenos, os acontecimentos e os processos são colocados num contexto global”. Como esta obra deixa claro, muitos processos históricos só têm cabal compreensão quando lidos à luz de dinâmicas transnacionais. As fronteiras, apareceram tarde – ainda que a portuguesa seja uma das mais antigas -, e nunca estancaram a circulação de pessoas, ideias e bens. Elas foram mais porosas do que as histórias nacionais supuseram, sobretudo a partir do século XIX, quando se consolidaram os estados-nação. Para dar um exemplo: o primeiro rei dos portugueses era filho de um imigrante. A génese da História Global de Portugal está ligada a uma iniciativa minha, que me tenho interessado por Estudos Globais, e dos meus diálogos com historiadores franceses que praticam este novo tipo de historiografia. Vi aparecer uma história global de França, em 2017, que suscitou um grande debate naquele país e pensei num projeto semelhante em Portugal. A ideia era excelente e foi logo bem acolhida.
2-Tanto quanto se sabe, a perspetiva de escrever uma «história global» é pioneira em Portugal: o que há de inovador nesta abordagem da nossa história?
R- A obra que agora saiu ao fim de um amplo esforço coletivo é, sem dúvida, pioneira. Não que tenhamos sido os primeiros a pensar a história no território que é hoje Portugal numa perspetiva de história global. Mas ela é a primeira a propor uma leitura integral de uma série de acontecimentos que refletem dinâmicas de receção e de difusão que não se podem perceber numa leitura exclusivamente nacional. A obra é uma proposta de repensar a história de Portugal. Fica bem claro que não é possível entender tudo o que por aqui se passou desde há cerca de 250.000 anos se nos encerrarmos em barreiras de certo modo artificiais. A construção apresentada realça como muitos dos fenómenos que foram contribuindo para a configuração de uma certa identidade deste espaço e das suas populações não germinaram aqui. Mas também houve processos que tiveram como primeiro palco este território e como protagonistas os seus habitantes, que contribuíram para transformações com impressionante impacte no mundo: houve processos de descoberta e de encontro de culturas, mas houve também marcas de brutal violência, como foi o caso da escravização maciça de populações sobretudo africanas. A nossa intenção não foi propor uma só leitura. Pelo contrário, a nossa esperança é que este nosso contributo ajude a repensar a complexidade histórica, e que isso entusiasme outros autores a aprofundarem algumas das linhas aqui sugeridas, gerando uma dialética frutuosa. Não se trata de uma “reescrita da História”, pois esta pode remeter para a ideia de revisionismo do passado, mas sim de uma reanálise desse fascinante percurso que foi a vida das populações que durante vários milhares de anos habitaram este espaço no canto da Europa. O nosso contributo poderá ser o de lançar o debate sobre a relação entre Portugal e o mundo. Como é que o mundo nos moldou e como é que nós moldámos o mundo.
3-Como foi possível concretizar este projeto tão ambicioso e reunindo dezenas de contributos?
R- Foi possível graças à reunião e trabalho concertado em tempo útil de um grupo alargado de estudiosos nacionais e internacionais, ao apoio de instituições mecenas e à disponibilidade do Círculo de Leitores/Temas e Debates para publicar. Esta obra beneficia, pois, do concurso de arqueólogos, historiadores de várias épocas, sociólogos, filósofos e até de pessoas das ciências exatas e naturais. Participaram cerca de nove dezenas autores, transportando consigo a sua especialidade. Considerámos relevantes eventos como a cartografia náutica, a botânica, o calendário gregoriano, a entrada da ciência moderna na China e, em tempos mais recentes, a vida e a obra do único Prémio Nobel português em áreas científicas – Egas Moniz. Procurámos assim ultrapassar a questão das “duas culturas”, a humanística e a científica.
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Carlos Fiolhais/José Eduardo Franco/José Pedro Paiva (dir.)
História Global de Portugal
Círculo de Leitores/Temas e Debates 24,90€