Grossman: Um livro monumental

CRÓNICA
| agostinho sousa

Um grande livro em torno da invasão alemã no território soviético, durante a Segunda Guerra Mundial, com maior enfoque na tentativa da ocupação nazi de Stalinegrado,
O Autor, nascido em território ucraniano da União Soviética, «foi para a frente de combate logo nos primeiros dias de agosto de 1941 e aí continuou até ao fim, até à vitória. […] desde o primeiro ao último dia dos combates de rua», como jornalista e correspondente de guerra.
Trata-se de um livro monumental, que um dos tradutores compara ao «Guerra e Paz» de Lev Tólstoi. É uma abordagem muito sistematizada e detalhada, por vezes cinematográfica, sobre um conflito militar, enquadrada pela História, ritmada pelos avanços e recuos resultantes da progressão nazi, dos momentos trágicos e da coragem abnegada da resistência russa, capaz de suportar o inimaginável para defender o seu território e a sua identidade. Mas, o que mais impressiona ao longo da leitura, é a descrição de personagens (aparentemente) comuns que vão aparecendo, desparecendo e ressurgindo, num enredo cativante que leva o leitor a participar dos acontecimentos e das suas vivências, paixões, pensamentos, atitudes, memórias, desesperos, sentimentos, enfim do comportamento humano que cada um deles desempenha num cenário catastrófico onde a esperança vai resistindo e os une como genuínos heróis.
«Mas na guerra, mais do que em qualquer outra situação, funciona uma lei simples da vida: para se ter êxito, não são os méritos passados que importam, muitos ou poucos, dos quais uma pessoa pode ter orgulho, a única coisa que tem importância é: quem consegue lidar com o máximo de habilidade, força, coragem e inteligência com o duro trabalho da guerra.»
O mote do livro é, entre muitas variáveis possíveis, a esperança, sempre presente ao longo do minucioso relato de cada interveniente e reside nesta pergunta: «será que a esperança do género humano não consiste no seguinte: o que é autenticamente grande é realizado pelas pessoas normais e simples?»
O heroísmo do povo soviético é, naturalmente e por vezes, enfatizado. O escritor está do lado daqueles que, mesmo acabando vencedores, terão um preço demasiado elevado a pagar com a perda de vidas, destruição de cidades e infraestruturas importantes para o seu país.
A leitura também é emocionante porque há passagens em que o paralelismo com a atualidade da guerra na Ucrânia é tão comparável:
«– Disparate! Como sabe, o plano deles era derrotar a Rússia Soviética em seis semanas. Pois bem, já se passaram cinquenta e seis semanas.»
Ou quando num diálogo alguém afirma:
«– Pois é, camarada escritor, não queremos morrer, e a morte para nós não é uma festa, mas não entregaremos Stalinegrado. Seria uma vergonha perante todo o povo.» Porque é recorrente a ideia de que é preciso «manter Stalinegrado a qualquer custo», tal como hoje assistimos à resistência do povo ucraniano ao invasor russo «a qualquer custo».
Apesar do livro ter sido entregue em 1946 só foi publicado em 1954, não sem antes terem sido censurados, pelo regime soviético o primeiro capítulo, que retrata um encontro entre Hitler e Mussolini em Salzburgo, «e dezenas de outros fragmentos. […] Destino mais dramático esperava o seu segundo livro, Vida e Destino, em que trabalhou de 1950 a 1959. Em fevereiro de 1961, o seu manuscrito, juntamente com os rascunhos e materiais preparatórios, foi sequestrado pelos oficiais da KGB durante uma busca à casa do escritor. E, se não tivessem existido mais dois exemplares do livro que o escritor escondera e, mais tarde, entregara aos seus amigos V. Lobodá e S. Lípkin, o livro teria desaparecido irrecuperavelmente», como é mencionado na introdução.
Concluídas as 750 páginas deste livro, mais houvessem pois seriam bem-vindas, pelo que há que prosseguir com o «Vida e Destino».
Espinho, 31/12/2022
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Vassili Grossman
Stalinegrado
Publicações D. Quixote

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