Germán Marín: A história de um edifício e das pessoas que lá viveram
CRÓNICA
| agostinho sousa
O narrador, dois meses depois regressar ao Chile como exilado da ditadura de Pinochet, visita a Villa Grimaldi e encontra as ruínas de um edifício que será o núcleo do enredo. A história desse edifício e das pessoas que nele viveram, com destaque para a relação com um grande amigo de escola primária, levá-lo-ão a revisitar momentos felizes da sua juventude misturados com relatos amargos do sucedido durante a ditadura, confirmados por terceiros, capazes de reencarnar fantasmas descobertos em posteriores visitas àqueles escombros.
Durante esse exílio desenrolou-se no seu país a barbárie de uma ditadura implacável, tanto para contestatários como para meros suspeitos, mesmo que sem prova fundada.
A Villa Grimaldi que, passará pelas mãos de várias famílias e se irá transformando, não só física como funcionalmente, acaba, ironicamente, batizada de “O Palácio do Riso”, após a sua ocupação pela DINA, polícia política do regime de Pinochet, para nela funcionar um centro de detenção e tortura.
Apesar de breves apontamentos dos requintes de malvadez realizados no dito “Palácio”, como este: “A repressão era uma arte que existia desde a luta bíblica entre os anjos e que tinha como móbil fazer do sujeito o que se desejasse, a ponto de, como presenciaria uma vez, algumas detidas terem sido obrigadas a posar como modelos com roupa de outras, usando umas tábuas como passarela, num desfile organizado por Basclay Zapata Reyes, conhecido como El Troglo, um dos cães que mais se divertia nos interrogatórios. A música dos altifalantes, com melodia de Gershwin, explicava-me, ajuda nesse desvario, a recrear o espetáculo destinado ao pessoal.”
Ou como acrescenta o relato da mesma personagem do episódio anterior, por ali ter trabalhado como colaboradora: “Às vezes, a humilhação dava mais resultado do que a pancada e […] provocava uma desvalorização de si próprios que ajudava a manipular a vontade.”
O autor não prende a sua narrativa na descrição dos atos desprezíveis desses verdugos, dando primazia à esperança de encontrar Matilde, uma antiga paixão, conhecida na Vila Grimaldi e interrompida pelo golpe de estado contra Allende, como tantas outras vidas separadas ou mesmo destruídas. Para esse edifício “foram levados […] cerca de 4500 pessoas, homens e mulheres, que ali se viram submetidos a diversas formas de tortura sistemática ou foram abatidos ou dados como «desaparecidos»”, como menciona Júlio Henriques no Posfácio do livro. No fim há um poema que sucintamente narra toda a história e uma justificação de 2014, ambos do autor, a propósito da “comemoração dos 40 anos da derrocada da democracia no Chile”, onde justifica a reedição deste livro “sem outro objetivo que o de cumprir um dever tanto cívico como literário”.
Acresce, a esses deveres, uma voz de esperança na procura do amor – na figura da Matilde – como um bálsamo sobre a barbárie.
Espinho, 04 de dezembro de 2021
Gérman Marín
O Palácio do Riso
Antígona 15€