Francisco Serrano | A Captura de Abdel Karim

1-De que trata
este seu livro “A Captura de Abdel Karim”?
R-O livro relata uma viagem pelo Norte de África, em 2011,
durante as revoluções árabes. Misturando o presente e o passado histórico, faz
um perfil aprofundado dessas sociedades, dos factores que provocaram as
revoluções, de como se estruturavam os regimes ditatoriais, de como era viver
nesses países antes das revoluções, e como se vive agora, no meio da
instabilidade provocada pela queda destes regimes árabes. É uma descrição em
jornalismo narrativo do que aconteceu, mas de uma perspectiva visceralmente
interior, ou seja, visto através dos olhos não só do narrador, mas
especialmente de várias pessoas que estiveram na génese dos acontecimentos;
miúdos que combateram na líbia, antigos mudjahedeen no Egipto, vítimas de
tortura da Argélia, activistas políticos na Tunísia. É, no fundo, a história
recente da região contada pelos seus intervenientes.
2- De forma resumida, qual a principal ideia que espera
conseguir transmitir aos seus leitores?
R-A primeira ideia essencial é que, muito antes das
revoltas, já existia instabilidade naqueles países De várias formas: pela
repressão estatal sobre os cidadãos, pela forma aleatória como o mal muitas
vezes se distribuía nestes lugares ou até mesmo pela maneira como estas
sociedades sempre se dividiram entre níveis de religiosidade, entre os mais
seculares e os mais conservadores.
A segunda ideia que achei importante transmitir é que,
apesar da forma como as revoluções foram mostradas nos jornais e nas televisões,
nada acontece de forma repentina por um único acto de violência ou contrição.
As revoltas aconteceram por um acumular de situações. No imediatismo das
televisões, é óbvio que parece que tudo foi repentino. Mas antes desse último
momento, do estertor final dos regimes, houve muita pressão acumulada, uma
massa humana lentamente desmoralizada pelos regimes, pelas autoridades, por
estados burocráticos e opacos. Ou seja, foi preciso muito mais do que
simplesmente acender um fósforo.
3-Pensando no futuro e com a sua experiência do terreno, até
onde pode ir a chamada “Primavera Árabe”?
R-Como conjunto de movimentos de revolta contra os regimes
envelhecidos da região, a continuação das revoltas árabes dependerá de dois
factores. Um é a forma como se resolverá a guerra civil na Síria, que ameaça
criar instabilidade a nível regional. A eventual queda do regime sírio
arrastará vários países vizinhos para o mesmo buraco. Outra questão é como
ficarão o Egipto e a Tunísia daqui a uns anos. Para várias populações com a
tentação de formarem movimentos para derrubar os seus governos, bastará olhar
para a actual situação no Egipto e na Tunísia – economia paralisada ou
severamente afectada, instabilidade política, aumento do desemprego e da
insegurança –  para sentirem que o preço
a pagar por uma revolta possa ser hoje demasiado alto.
Num outro plano, quando falamos das consequências negativas
directamente ligadas à primavera árabe, essas terão um impacto na região
durante alguns anos. A queda dos regimes trouxe à superfície vários movimentos
conservadores religiosos, que vão ter um impacto profundo nos países da região.
A expansão de movimentos salafistas, que durante anos viveram reprimidos pelos
antigos regimes, é grave porque são grupos de jovens com poucas perspectivas,
intolerantes (como se viu pelos ataques aos túmulos de santos na Tunísia, Líbia
e Mali) e com uma grande facilidade para recorrer à violência, como se tem
visto nos inúmeros embates políticos na rua, no Egipto e na Tunísia.
Outra consequência directa foi a proliferação de armas pela
região, o que tem alimentado o banditismo, as revoltas armadas (como no Mali) e
ameaça destabilizar mesmo os países que conseguiram derrubar os seus regimes.
Assim, a primavera árabe só poderá ir até onde a Tunísia, o Egipto e a Líbia
consigam ir como estados organizados, pacificados e politicamente estáveis.
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Francisco Serrano
A Captura de Abdel Karim
Bertrand Editora, 15,50€