Francisco Louçã: “Democracia política depende da democracia social”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste vosso livro «Não Posso Ser Quem Somos?»?
R- O que se tem vagamente chamado “identitarismo” passou a ser um tema omnipresente no debate público. Isso acontece pela emergência dos movimentos pelos direitos cívicos e pelo fim da discriminação racial desde os anos 1960 nos Estados Unidos, pelos novos movimentos feministas desde há cinquenta anos, mas, agora e no outro lado do espectro político, pela afirmação de um supremacismo branco que Trump representou melhor do que ninguém. O livro nasce de uma constatação: a extrema-direita trumpista, que tem crescido no mundo inteiro, aproveita o ressentimento de populações pobres para criar um sistema de apartheid social, que mobiliza o ódio contra imigrantes, mulheres, ou outros pobres. É esse sistema de mobilização odiosa que constitui a grande mudança na comunicação do nosso século. E tem sido triunfante, ascendendo a uma força poderosa ou até determinante em vários países: os EUA, pese o percalço da derrota de Trump em 2020, mas também a Índia, as Filipinas, França, Itália, o Reino Unido, a Polónia, a Hungria.

2-Como pode a esquerda combater a vaga ideológica de direita que tem expressão em vários países, designadamente os EUA de Trump (mas não só)?
R- A tecnologia de dominação que levou Trump à Casa Branca em 2016 e que o mantém como uma referência para quase metade do eleitorado é potente e foi o que quisemos investigar no nosso livro. Como triunfa e como pode ser derrotado o trumpismo no fundo da sociedade? Isso levou-nos a estudar as identidades: o nacionalismo imperial, as religiões, mas também as identidades pessoais (razão pela qual discutimos Freud) e, sobretudo, as identidades oprimidas. Não são mundos a preto e branco, mas cheios de ambiguidades e de contradições, com movimentos sociais dispersos e muitas vezes antagónicos ou que se ignoram mutuamente. Uma esquerda política forte precisa de ter uma base social, de constituir uma aliança maioritária, um movimento que crie sociabilidades solidárias e que se contraponha à devastação autoritária.

3-Qual o papel que os temas do anti-racismo e da identidade de género podem ter no contexto actual?
R- Uma das ensaístas que estudamos, Nancy Fraser, apresenta a seguinte contradição: os movimentos de identidade das mulheres, o feminismo, ou os das comunidades minoritárias nos países capitalistas mais desenvolvidos, como o movimento antirracista, têm que procurar o reconhecimento das diferenças que os constituem, e assim combater a desigualdade, mas para isso têm que procurar uma redistribuição justa, ou seja, anular as condições da desigualdade e portanto terminar com as razões da sua particularidade. O seu sucesso será a dissolução das fronteiras das identidades, conjugando comunidades abertas e que respeitam as pessoas, as suas histórias, as suas convicções. A criação de uma democracia política depende portanto de uma democracia social. Esse é o tema forte do livro.
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Andrea Peniche/Bruno Sena Martins/Cristina Roldão/Francisco Louçã
Não Posso Ser Quem Somos?
Bertrand  16,60€

Francisco Louçã na Novos Livros | Entrevistas

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