Francisco Duarte Azevedo | O Trompete de Miles Davis
R: Para todos os efeitos, é o meu primeiro romance. E por isso representa o início de uma trajectória de publicação, mas também de continuidade da escrita. O Trompete de Miles Davis resultou de um exercício diário do ofício de escrever contraposto ao peso da rotina que nos envolve e que é preciso vencer. Esse foi o desafio lançado, há muitos anos, pela minha mestra preferida, a Lídia Jorge.
2- Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R- Tive oportunidade de a explicar no dia do lançamento: quando vivia em Newark, ia frequentemente à Biblioteca da Universidade de Rutgers, onde se encontra instalado o Centro de Língua Portuguesa/Instituto Camões. E, numa ocasião, depois de uma palestra do Francisco José Viegas sobre literatura policial, percorremos juntos as vitrinas do Instituto de Jazz da Rutgers, que é contíguo à sala onde a referida palestra teve lugar. Um dos trompetes de Miles Davis, de cor verde, cuja foto até está disponível na internet, encontrava-se exposto, ao lado de outros instrumentos musicais que fizeram parte do espólio de compositores afamados, nomeadamente de Roy Eldridge. Eu disse ao Francisco José Viegas: «Chico, vou escrever um policial sobre este trompete». E ele disse: «Força!». Nessa mesma noite, redigi as primeiras linhas. Com erros, claro, mas tinha-me crescido o entusiasmo para voltar à escrita. Portanto, tudo começou num fim de tarde, em Fevereiro de 2007, em Newark. Depois, ao longo dos meses, fui enchendo dois caderninhos Moleskine , e em seguida muitas páginas impressas, à medida que ia reescrevendo e procedendo a alterações. A primeira versão consolidada, consegui-a em 23 de Maio de 2009. É a data que afixei no final do texto. Mas até praticamente a escassas semanas da publicação do texto em livro, as versões multiplicaram-se. Não fosse uma ordem peremptória da minha editora, a Ana Maria Pereirinha, e provavelmente teria continuado a fazer correcções. Mas ela disse «mais não», e eu parei. Verdadeiramente, O Trompete de Miles Davis não é um policial. O policial é um pretexto, e devo esclarecer que o José Carlos de Vasconcelos foi a primeira pessoa a dizê-lo. Efectivamente, o romance desabrocha do contexto policial e concentra-se na personagem principal, um detective luso-americano, sem nome (ele é apenas o «sherlock» do bairro), completamente apegado à sua rotina. O desaparecimento do trompete quebra-lhe essa rotina. E a partir desse momento, surge uma relação da personagem com o seu mundo: o mundo da memória do passado, o mundo presente, o mundo que corre à sua volta. Mas esses mundos são vários e diferentes. A intensidade com que isso acontece é aspecto que deixo exactamente ao cuidado dos meus amigos leitores. Por outro lado, senti necessidade de dar uma dimensão normal à comunidade luso-americana de Newark. Uma comunidade de sobreviventes e de resistentes, de lutadores. Mas obviamente que não poderia entrar no discurso cinzento dos «orgulhos», «homenagens», e outras coisas. Senti que deveria, através do detective privado, fazer uma aproximação ao âmago físico e anímico da comunidade portuguesa em Newark, a Ferry Street, e colocá-la na perspectiva de um simples cidadão, um cidadão comum. Nada mais. O detective acabou por tornar-se uma espécie de herói sem nome, discreto – o herói de uma comunidade também discreta – e contribuir para o conhecimento de uma cidade sofredora, mas sobrevivente, perante o impacto directo da grande cidade ali ao lado, Nova Iorque, que é o centro de absorção das energias, humanas e não só, num largo espaço geográfico que atinge parte dos Estados de Nova Iorque, Connecticut, Nova Jérsia e até uma parte da Pensilvânia.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Não gosto muito de falar sobre o que estou a escrever… A não ser para o meu círculo restrito de amigos, com quem aliás troco impressões e ideias enquanto escrevo um texto. Gosto de o fazer, gosto de escutar as suas sugestões, os seus conselhos. É um projecto antigo, com quase vinte anos. Estou a tentar terminá-lo – há, pois, novo romance a caminho.
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Francisco Duarte Azevedo
O Trompete de Miles Davis
Planeta, 17,86€