Francisco Bethencourt: “Afirmar os direitos humanos na prática, base de desenvolvimento de um país mais livre e mais justo.”

1-A Declaração Universal dos Direitos Humanos é de 1948 (passaram 75 anos) e, apesar de ser um texto quase óbvio e sensato, ainda estamos longe do seu pleno uso com milhares de pessoas ainda sem acesso aos seus direitos mais básicos: porquê?
R- Os direitos humanos resultam de movimentos sociais contra interesses estabelecidos. Estabelecem um conjunto de normas que visam proteger os fracos contra os poderosos, os indivíduos contra os abusos do Estado, as minorias, as criancas, os desprotegidos. O direito à vida é um pilar deste sistema internacional, replicado em convenções regionais e constituições nacionais em todo o mundo. Da mesma forma os direitos económicos e sociais, que incluem o direito a trabalho digno, habitação, educação, férias pagas, segurança social, salário igual para trabalho igual. As elites económicas têm tido dificuldade em absorver os direitos humanos nas suas diferentes dimensões, que implicam regulamentação de comportamentos abusivos e algum equilíbrio na relação entre trabalho e capital. As elites políticas têm igualmente dificuldade em cumprir integralmente as normas internacionais no que diz respeito à implementação dos direitos humanos. Este problema é mais evidente em regimes ditatoriais, mas não deixa de estar presente em diversos graus em regimes democráticos. Os conflitos de interesses expõem as profundas desigualdades que permeam a sociedade contemporânea. Os direitos humanos tem sido instrumentais nas relações internacionais, sobretudo na luta de libertação dos povos colonizados. O princípio da autodeterminação dos povos foi afirmado na sequência dessa luta. Os direitos humanos expõem os profundos desequilíbrios que continuam a definir a relação entre Estados (veja-se a recente invasão da Ucrânia) e as relações sociais dentro de cada país.
2-Os direitos humanos têm alargado o seu âmbito para áreas como os direitos ambientais: que outras evoluções são expectáveis?
R- Os direitos ambientais começaram a ser desenhados nos anos de 1970 dada a constatação das mudanças climáticas com resultados catastróficos para o planeta. Assistimos a uma degradação crescente do meio ambiente, com poluição exponencial dos solos, subsolos e oceanos, que implica a redução da biodiversidade e das condições mínimas de vida. A espécie humana e toda a vida animal está ameaçada com esta degradação do planeta. A emergência das redes sociais criou outro problema sério, com consequências graves para a saúde mental, de invasão da privacidade. A proteção dos dados pessoais está na ordem do dia, não só por parte das instituições do Estado como também das organizações empresariais que acumulam dados pessoais e os podem utilizar de todas as maneiras tornando a vida mais vulnerável. Novos problemas éticos surgem com os avanços da genética e da inteligência artificial. Estas áreas estão já a ser investidas pelo debate sobre os direitos humanos, o que deve ser permitido ou não, o que define e defende o ser humano.
3-Muitas vezes temos a sensação de que, em Portugal, tudo corre bem e não temos problemas de direitos humanos. Depois a comunicação social noticia situações dramáticas de imigrantes que trabalham e sobrevivem em condições miseráveis. Do seu ponto de vista, qual a situação actual em Portugal no que respeita aos direitos humanos?
R- A situação em Portugal não é das piores no mundo, pois temos uma democracia que se tem revelado até ao momento consistente. Contudo, temos uma relação desequilibrada entre trabalho e capital, enquanto o direito à habitação está na ordem do dia dada a inflação decorrente de políticas urbanas contrárias aos interesses dos mais desfavorecidos. A exploração de imigrantes é escandalosa e está à vista de todos. O controle desta exploração está nas mãos do Estado, existe legislação que não é ativada. A política de integração dos imigrantes não tem um nível aceitável. O passado colonial deixou marcas em formas de discriminação que deveriam já ter sido confrontadas de forma resoluta. Trata-se de afirmar os direitos humanos na prática, base de desenvolvimento de um país mais livre e mais justo.
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Francisco Bethencourt
Direitos Humanos
Fundação Francisco Manuel dos Santos  4,50€