Filipa Nunes: “A base desta montanha, é mapa, é carta”
1- couro fresco é o seu primeiro livro de poesia: como espera poder olhar para ele daqui a 20 anos?
R- Em 2043 imagino-me a tomar um café de manhã, abrir couro fresco por acaso numa página qualquer e deparar-me com algum poema, uma expressão, uma frase, que me transporte imediatamente para o momento em que estava quando o escrevi com 28 anos, e poder surpreender-me, nessa altura com 49 anos, com esse encontro. Como o cheiro, que nos faz viajar no tempo sem consentimento (nosso), é esta a proposta que faço. Por outro lado, este livro será sempre uma confirmação de racionais criativos, que é algo que já acontece quando olhamos para processos anteriores: encontrar o racional por detrás da organização das ideias, elementar, repetido em diversas obras – não exclusivamente literárias, ao longo de uma cronologia. De uma forma ou de outra é algo que me vem acontecendo no trabalho do pensamento: o entendimento, com o passar dos meses, anos, décadas, de que há uma mecânica particular no escrutínio das ideias, continuada, e que serão os meios, em paralelo, a intuir quando encontrar o público, a exposição, a apresentação, como agora, com couro fresco, a poesia encontrou.
Uma resposta mais simples e, ainda assim, próxima, será dizer que pensarei em couro fresco como uma grande festa e se olhar, será com muito prazer porque a capa é uma pintura incrível de Paulo Nunes, que me tem liquefeita.
2- Qual a ideia que esteve na origem desta obra?
R- couro fresco é a base desta montanha, é mapa, é carta. Expande em si futuro, como se cada capítulo pudesse ser uma sinopse de um possível conto ou de um romance, e também recria passado, cronologia multidireccional. É um livro de imagens e de caminhadas que reúne em si processos de investigação já iniciados nas artes plásticas, lugar de formação base e provocador de escrita. Há muita presença da cor, e por isso da luz, da geografia e do quotidiano. É luminoso, foi escrito entre as 7h e as 9h da manhã durante o Verão, cápsula de energia solar de Junho, Julho, Agosto e Setembro, dias grandes e brilhantes. Começa no norte, onde cresci, numa reconstrução da memória que pauta alguma demografia política subtil ao longo do corpo do livro, seguindo-se fogo, sul, centro, mar, terra, céu, água, céu céu e finalmente, vermelho. Não sei se ideias, mas são estas as linhas principais que atravessam a obra.
3- Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Escrevo diariamente, especialmente através da investigação que levo a cabo nas artes visuais. Estes textos vão atravessando distintos espaços como revistas de arte, exposições, jornais, plataformas online.
Estou também a escrever um romance. Posso dizer que desta vez não está a ser escrito entre as 7h e as 9h da manhã – o feiticinho será outro, um novo, como a luz.
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Filipa Nunes
couro fresco
Guerra e Paz 12€